Há alguns meses, apontei no meu texto sobre Indiana Jones que o filme sofria de um problema: existiam ideias muito inteligentes no roteiro, mas, na tradução desses conceitos pra tela, o filme não correspondia. Nesta continuação de Planeta dos Macacos, o mesmo problema se repete e devemos nos perguntar: há um infeliz padrão nos novos lançamentos de grandes franquias Hollywoodianas?
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Na bem sucedida trilogia anterior de Planeta dos Macacos, percebe-se que o carinho com a criação desse universo se dá no aspecto gestual e simbólico. Quando Cesar quebra um galho com as mãos e diz que nessa condição é fraco, mas o galho, quando dividido em dois, é mais difícil de arrebentar, ele cria o símbolo da união dos macacos: juntos, somos fortes. O formato da janela da casa de Will, quem criou e cuidou de Cesar, torna-se o símbolo da rebelião primata. Quando alcança o status de líder da revolução, os outros macacos ajoelham-se e esticam o braço em direção ao seu comandante.
Todos esses símbolos e gestos retornam em Planeta dos Macacos: O Reinado, e, de forma bem inteligente, o salto temporal na franquia traz uma deturpação de seu sentido original. O vilão do novo filme, Proximus Cesar, utiliza o mantra dos macacos unidos para escravizar diversos clãs que surgiram ao longo do tempo. O gesto de reverência, agora, é uma demanda do tirano. O legado de Cesar se esvaiu ao longo dos praticamente três séculos que se passaram.
O grande problema do filme é: quando vira imagem, quando o texto precisa tomar forma através da encenação, não há nada de positivo. As grandes ideias ficam restritas ao papel, elas nunca se transformam em boas cenas empolgantes nem minimamente interessantes. Em Guerra no Planeta dos Macacos, após o incrível duelo entre humanos vs macacos na cena inicial do filme, Matt Reeves usa um plano ponto de vista de Cesar nos destroços, marchando por dentro do destruído acampamento, enquanto os macacos sobreviventes reproduzem o gesto de reverência ao líder.
Essa pensamento imagético falta no novo filme da franquia. A câmera de Wes Ball nunca se interessa por nada, sempre filma uma certa distância, com planos médios e americanos muito cínicos, modorrentos, sem envolvimento com o que está disposto. O que foi o grande mérito dos filmes de Reeves, planos que exprimiam gestos e olhares de muito perto, com atenção, não existem mais.
Não ajuda que Proximus Cesar seja um reflexo de todos os problemas do filme em um personagem. Sua busca pelo conhecimento humano e tecnologia é, novamente, uma ideia bem interessante para criar ligação com os filmes anteriores e impulsionar este para frente, mas um dos pontos mais baixos do filme é a fraquíssima interpretação de Kevin Durand. E por carregar o nome do protagonista do anterior, de atuação icônica de Andy Serkis, fica gritante a distância entre atores e personagens.
O clã da águia, do protagonista Noa, possui esse nome graças a relação com as aves de rapina, na qual os macacos selecionam um ovo, passam por um ritual e estabelecem uma ligação com seus novos animais. Para fazê-lo, este clã precisa ser capaz de escalar grandes alturas e isso se torna a identidade deles. No final do filme, o clã é um dos poucos, quiçá o único, que sobreviveu à inundação no reino, por sua capacidade de escalar até o topo de uma pedra e lá travam um duelo contra Proximus. O filme constrói a relação com as águias o tempo todo, então, elas ajudam Noa a destituir o vilão. Porém, a cena que tinha tudo para ser épica é, de novo, construída da forma mais insossa, sem tato, proximidade, carinho. Tudo é no piloto automático, numa espécie de versão padrão de construção visual cinematográfica.
A narrativa quanto aos humanos é um dos pontos fortes, o que não é incomum na franquia, que sempre lidou bem com esse recorte, diferente de outras, como Godzilla, na qual as pessoas são sempre a pior parte. A tentativa de reconstrução da humanidade, o resgate tecnológico e a recusa de servimento a Proximus torna Mae, a protagonista humana, uma figura minimamente interessante, mas que esbarra na atriz e na falta de estímulos para lidar com momentos supostamente impactantes, como a revelação de que ela é capaz de falar e do contato com uma base do outro lado dos EUA.
Planeta dos Macacos: O Reinado provavelmente daria um ótimo livro, com a simples descrição dos acontecimentos da trama podendo gerar uma curiosidade e até um impacto cultural curioso. Mas, não se engane, cinema é uma mídia audiovisual, é necessário, para além de um bom texto, uma boa capacidade de articular e transformar essas palavras em boas imagens. E, de forma decepcionante, esta obra é incapaz de fazê-lo.