Crítica de filme

Crítica | Pobres Criaturas

Publicado 10 meses atrás
Nota do(a) autor(a): 5,0

Pobres Criaturas não tem medo de dar um soco na cara da audiência, o que não só é uma coisa boa, como faz querer mais dessa surra de surrealismo e constrangimento. O que amo no trabalho de Yorgos Lanthimos é que o diretor faz questão de cutucar a ferida da sociedade em qualquer realidade em que se aventura, seja em um futuro distópico, seja na era regencial, seja aqui, onde somos levados para um mundo de fantasia steampunk em que tudo é possível, ou quase. A aposta da Searchlight Pictures nas premiações não errou em nenhum aspecto de sua construção.

Bella Baxter (Emma Stone) é ressuscitada por um médico não convencional que faz de tudo pelas suas descobertas científicas, inclusive ultrapassar os limites da ética. A curiosidade da moça pelo mundo e pelos prazeres não tem fim, e é no advogado libertino Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo) que ela vê uma oportunidade de embarcar numa aventura vertiginosa pelos continentes. Despida de filtros ou preconceitos de sua época, ela se torna firme em seu propósito de lutar por igualdade e libertação.

Se o Pinóquio e o Frankenstein tivessem uma filha pervertida, tomaria a forma da protagonista de Pobres Criaturas, que faz uma sátira representação da nossa existência. Mesmo numa sociedade tão futurista, a única coisa que não muda é a forma que o coletivo se comporta e dita o papel da mulher, que é cheio de: não pode isso, é errado fazer aquilo! Bella só aprendeu o que era viver de verdade depois que morreu. E em busca de se tornar uma mulher de verdade, enfrenta o obstáculo de todo mundo querer possuir seu corpo e suas escolhas. 

É interessante observar que Bella só é atraente para os homens ao seu redor quando sua personalidade se encaixa no manic pixie drem girl trope, que é aquela fase em que a mulher tem uma cabeça infantil que não a impede de explorar sua sexualidade. Além disso, seus trejeitos tem uma charmosa peculiaridade, o que renova a vitalidade do pobre homem que já experimentou de tudo, menos alguém como ela. Mas aí, ela evolui e quer se dedicar a outras atividades além de dar atenção e ser dependente daquele homem em questão, então torna-se feia, demoníaca e inapropriada. 

Todos os simbolismos do filme direcionam o olhar para um lugar que praticamente obriga a entrar no loop do discurso feminista de Facebook – eu mesma precisei de muito tempo para refletir sobre a história de Bella para ir além do “we can do it empoderadaaaanh”! 

Ela não quer dar início a um movimento coletivo, mas só viver da forma que julga melhor para si. Porém, por ser mulher, só essa atitude na sociedade em que ela vive – e a que nós vivemos, pode ser vista como uma ameaça aos costumes.

É fascinante assistir ao desenvolvimento em tempo real de Bella Baxter através de novos sentidos, confronto com o sofrimento e realidade até que ela encontre seu propósito. É nessas pequenas descobertas que ela busca o conhecimento necessário para cumprir seus objetivos, e em todas essas fases testemunhamos diferentes versões da sua personalidade se moldando. 

É o privilégio de ver como um ser humano se torna único, além é claro, dos temas que cercam a vida de seus coadjuvantes, em especial seu pai/criador Godwin Baxter (Willem Dafoe), que tem o clássico complexo de Deus quando ressuscita pessoas e cria híbridos de animais. Porém, ao contrário da maioria dos personagens excêntricos que ocupam esse papel, ele é embebido de empatia e humanidade, e por mais que queira se apegar as suas criações, tem plena consciência de que sua evolução faz parte do livre-arbítrio, que é embutido em todas as criaturas. 

Emma Stone precisa de muitos elogios aqui? Acredito que seria redundante, pois sua genialidade em incorporar Bella é nítida. Seu controle vocal e corporal estão além de qualquer interpretação a que assisti no último ano. Merece o reconhecimento de melhor atriz com folga.

Os coadjuvantes representam todas as etapas de crescimento da personagem da atriz. Willem Dafoe é o nascimento, e toda vez que entra em cena é um deleite. Seu personagem é mais cauteloso e não carece de exageros além da sua aparência. God –  apelido carinhoso dado por Bella -, impõe respeito e ternura que um pai tem por uma filha, ele hesita por um momento, mas deixa a garota crescer. De Mark Ruffalo, testemunhamos a figura mais caricata do filme. Ele aparece na fase rebelde de Bella e não quer compromisso, mas é o que fica mais atormentado pela evolução da moça. É hilário e canalha quando expõe todos os sentimentos possíveis na tela, indo do descolado ao mentalmente desequilibrado.

Por fim, Ramy Youssef é a calma de Bella e está lá para ser um companheiro leal. Sua personalidade tranquila é uma das estruturas de que a moça necessita quando volta de sua jornada caótica. E ele também hesita ao vê-la partir, mas eventualmente aprendeu a respeitá-las e se contenta em estar em sua vida apenas pelo prazer de sua companhia. Aprendizado esse do qual Duncan Wedderburn passou longe. 

Na fotografia, o diretor explora cores, diferentes lentes e cenários góticos para ambientar a narrativa, e como é bom vê-lo usar a estética preta e branca de forma correta e não só com intenção de parecer culto sem necessidade. Não há dúvidas que a construção estética garantiu algumas indicações a mais no Oscar para o projeto, que totalizam 11. Cada lente é colocada para mostrar as fases de Bella, como ela enxerga o mundo ao seu redor, e nós como espectadores, compartilhamos essa perspectiva. 

Pobres Criaturas já se sustenta como uma das melhores obras de Yorgos Lanthimos. Faço votos que seus próximos projetos sejam cada vez mais absurdos, pois quando ele suja as mãos, cria uma aquarela cintilante e perturbadora. 

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pobres criaturas poster
País: EUA
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Tony McNamara, Alasdair Gray
Idioma: Inglês

Uma resposta

  1. Qual a beleza que existe na exploração sexual de uma garota com o cérebro de um bebê? Nem mil fotografias bonitas me fazem acreditar que isso é feminismo.

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