Poucas relações são tão fundantes quanto a dos pais com seus filhos. É o primeiro mapa do mundo sensível, das dinâmicas familiares e sociais — experiência universal que molda até pela ausência. Não à toa, a dramaturgia a explora incessantemente, da psicanálise à tragédia grega. Em Prédio Vazio, Rodrigo Aragão usa o terror para canalizar questões parentais cruciais: filhos herdam os pecados dos pais? Famílias são buracos negros que devoram quem se aproxima?
Essas tensões ganham carne através de uma estética B que nunca se esconde. Pelo contrário: mesmo quando latente, aguarda seu momento para emergir — e é nesse jogo que Aragão se delicia. Vê-se o trabalho de quem ama o gênero e seu poder de amplificar gestos cotidianos: um namorado que acompanha a parceira é mordido por um cachorro, perde o celular, perde os óculos, perde a sanidade, perde a vida. O corriqueiro transformado em catástrofe.

Hoje em dia, não vemos mais filmes de ação protagonizados unicamente por mulheres sendo lançados com frequência, exceto no gênero de super-heróis. Isso era mais
As arestas do filme o impedem de um impacto maior da obra como um todo por se enxergarem como apêndice, e não como partes do caminho até sua catarse: o dia-a-dia da cidade no fim de carnaval (aqui reside, por si só, uma poesia desesperada: o fim do feriado é o retorno a monotonia), a reincidência da mãe com homens violentos, o taxista como guru da cidade nova, o assalto no quiosque. Todo esse ecossistema que é bem vívido e contrasta com o horror sobrenatural do prédio é tratado quase como um mal necessário, mas muita das vezes é o melhor que o filme tem a oferecer.
A segunda metade, muito mais alienante, mergulha no prédio e sua mitologia, que, por vezes confusa, atenua o impacto das imagens. A relação entre a vida litoranea e o pano de fundo esquisito é rompido pela parte que o diretor mais gosta, mas como o grande crítico e meu amigo Marcos Gabriel Faria apontou: Também era de se esperar um pouco mais de joie de vivre quando a carnificina finalmente entra em cena. Aragão tem plenas capacidades de fazer algo verdadeiramente infernal caso se concentre ainda mais na brutalidade, mas está claro que seu horror é mais fabular do que gore per se.
É um movimento esquisito esse horror fabular buscar uma cisão com os arredores, e o filme perde parte de seu equilíbrio aí. Não compromete a experiência nem diminui a obra, mas torna algo menos especial do que poderia ser. Um bom filme de terror à brasileira, menos pela sua violência gráfica e mais por seu atento olhar aos mecanismos de relação do povo e de como extrair cinema disso.