Quando se trata do gênero ‘ação’, criar uma história que cativa e que ao mesmo tempo aumenta os níveis de adrenalina não é uma tarefa simples. Dependendo do projeto, nem a quantidade de explosões salvam o descarrilhamento do enredo. Então, quando se trata da Netflix, é normal esperar tramas rasas e sem aprofundamento de personagens, e foi assim que muitas pessoas viram Power (Project Power).
No entanto, as pessoas têm preferências distintas. É bem difícil definir a qualidade de um filme baseado puramente em termos técnicos – em algum momento, os gostos pessoais vão acabar divergindo com outras opiniões. Um filme como esse não é para ser destrinchado como uma obra-prima, sendo que está mais do que claro que existem filmes para gerar reflexão e filmes para entreter. Assim, no âmbito do entretenimento, Power cumpre bem o seu papel.
O tema envolvendo super-heróis já foi explorado de diversas maneiras, seja de forma clássica ou distorcida. A Marvel e a DC sabem a fórmula e executam o conceito de bem ou mal com o qual todos já se habituaram. Em contrapartida, existem seriados que deturpam esses papéis e têm maior liberdade criativa, que é o caso de The Boys e Doom Patrol. Por isso, quando uma produção como essa é lançada, traz frescor para o gênero cinematográfico.
Dessa forma, Power tem a mesma pegada de outros filmes que fazem o mesmo questionamento: e se pessoas que não seguem um código moral desenvolvessem super poderes? Longas como Heróis, Poder Sem Limites e Brightburn – Filho das Trevas, entregaram algumas dessas respostas, porém, o que destaca Power dos demais é a questão: o ser humano aguentaria adaptar seu corpo a tais poderes?
É fácil fantasiar sobre isso, mas cada ser neste planeta foi criado com uma função e vive em habitats diferentes. Com uma alteração no DNA, o ser humano poderia, talvez, ter um esqueleto resistente ou desenvolver super força, mas em momento nenhum nosso sistema suportaria o fogo ou modificações corporais sem consequências. É isso que o novo filme do streaming vermelhinho faz, revelar um contexto sujo por trás de toda a ilusão dos super-heróis.
Assim, com essa idealização cheia de potencial em mente, restava aos personagens contar a história de forma competente e com profundidade e, tendo uma boa ideia não seria difícil, certo? Errado.
Apesar de tantas estrelas no elenco, a maioria teve uma direção mediana, colocando-os na caixinha de personagens comuns, como foi o caso de Jamie Foxx na pele do ex-combatente Art. Apesar de carismático, sua história pode ser comparada à de outros protagonistas de filmes de ação que só buscam vingança e tem uma relação paterna com a adolescente do filme, nesse caso, interpretada por Dominique Fishback, que não é uma atriz ruim. Na verdade, ela entregou um pouco mais do que sua personagem exigia. Robin poderia ser aquela pre-aborrecente que só gera frustração no público, mas é possível ter bastante empatia com a história da garota.
Já Joseph Gordon-Levitt é o que mais se destaca do trio principal. Apesar de estar na polícia, nunca podemos deduzir quais serão seus movimentos. Se o filme não fosse tão previsível no objetivo de seus personagens, ele poderia muito bem ser aquele cara que é confiável, mas imprevisível.
Dessa forma, no geral a proposta não é ruim. Não existe essa de criar um personagem inédito – pessoas tem bases parecidas e vivem as mesmas situações. O que enaltece um intérprete e a forma que ele vive e age se chama estudo de personagem. Nesse departamento o filme deixou a desejar, já que estava ocupado demais em focar no plano megalomaníaco dos vilões.
E falando nisso, é bom ver que Rodrigo Santoro está sendo recompensado e ganhando destaque de enredo em várias obras internacionais, mas pobre tesouro nacional, infelizmente seu personagem se assemelha aos vilões de desenho animado com seus trejeitos e arquétipos. No fim das contas, ele não é mais ameaçador do que o protagonista Art, o que é uma pena.
Por fim, apesar das boas intenções da Netflix em incluir pessoas de todas as etnias e dos esforços de Santoro, o streaming precisa aprender a desenvolver seus antagonistas. Ainda assim, o tempo todo o filme te deixa ansioso pelo seu clímax, tudo graças aos movimentos de câmera em grande angular que distorcem o cenário e, ao mesmo tempo, engradece as cores das cenas. Mesmo que algumas partes fiquem muito frenéticas e confusas nas cenas de luta, o estilo da fotografia tem um diferencial. Agora, a Netflix só precisa encontrar uma maneira de refinar mais seus trabalhos e pensar menos em franquias, assim, seus personagens têm uma chance de mostrar maiores camadas de personalidade.