Em 1940 seria lançado o único longa de Alfred Hitchcock a ganhar o Oscar de Melhor Filme: Rebecca, A Mulher Inesquecível. Considerado um dos melhores filmes do famoso diretor (com 100% de aprovação no Rotten Tomatoes (RT) e uma nota de 8.1 no IMDB), a película acaba de ganhar um remake na Netflix. Porém, ao contrário de sua antecessora, a nova versão, dirigida por Ben Wheatley, não agradou tanto o público, alcançado apenas 48% no RT e 6.0 no IMDB.
Qual será o motivo dessa discrepância? Será o grande período de tempo que separa as duas obras? Será o peso do nome de Hitchcock? Ou será que Wheatley realmente cometeu tantos erros? Não cabe a mim responder, até porque o sistema de notas é um dos mais injustos de todos os sistemas existentes, influenciando o público incauto que, muitas vezes, recorre a plataformas como essas para escolher que filme assistir. Por isso, me limitarei a discorrer sobre a visão que tive sobre essas duas películas, mas já adianto que, guardadas as devidas proporções, ambas são extraordinárias.
A trama dos filmes é idêntica. Baseada no livro de Daphne Du Maurier, ela conta a história de uma dama de companhia que rapidamente acaba conquistando e sendo conquistada por um sisudo aristocrata inglês. Porém, ao chegar em sua nova, imponente e ancestral mansão, a jovem passa a ser incomodada pela presença espectral da primeira mulher de seu marido, Rebecca.
Assim, tomando por base essa ou qualquer outra sinopse, o que há de mais interessante no conjunto da obra é o seu título, já que o nome que ele contém, Rebecca, não se refere à sua protagonista (ou pelo menos não à sua protagonista viva!). Essa, aliás, não tem nome, ganhando uma denominação somente depois que se casa, quando então assume o sobrenome do marido, passando a ser conhecida como Sra. de Winter.
Interpretada na primeira versão por Joan Fontaine e na atual por Lily James, podemos dizer que moça sem nome é uma personagem interessantíssima, embora não mais do que sua antagonista. Sua índole doce e insegura cativa o público (e seu futuro marido) logo de início e vai se transformando ao longo do tempo, tornando-se mais forte e determinada.
Dessa forma, é difícil classificar a atuação das duas atrizes tendo como referência épocas tão diferentes e sendo guiadas por diretores distintos que queriam coisas divergentes (Hitchcock, por exemplo, pediu a Fontaine uma interpretação mais teatral), mas tanto uma como outra nos passam a mesmíssima sensação de ingenuidade e doçura. Uma vez li que Lily James é solar. Não há classificação melhor para a atriz, que se destaca em tudo o que faz.
Já quanto ao protagonista masculino, as coisas não são assim tão simples. O Maxim de Winter de Armie Hammer é muito mais forte, sisudo e marcante e até mais grosso do que o de Laurence Olivier. No quesito atuação, portanto, aquele me agradou mais.
Sendo assim, continuemos. Hitchcock era um gênio, e quanto isso não há dúvida. À época de sua Rebecca, a tecnologia do filme colorido já existia, mas ele optou pelo preto e branco para manter o clima sombrio de sua história. Impressionante como ele usa o jogo de luz e sombra para nos jogar dentro do espírito deixado pela mulher falecida na mansão de Manderley.
Mas de forma surpreendente, a película de Wheatley, com sua fotografia gelada de cores desbotadas (tirando o começo e o final que possuem cores mais suaves e quentes) consegue ser mais sombrio ainda. A pele muito branca de James se camufla com seu ambiente, tornando-a ela mesma um fantasma de sua existência, até que ela ganha vida ao saber de toda a verdade que envolve Maxim. E essa verdade se mantém desconhecida dela e do público até depois de mais da metade dos 121 minutos de filme.
Aliás, está aí outra diferença da versão de 1940 e 2020. Hitchcock é bem mais direto em sua narrativa do que Wheatley, que mantém o suspense no ar por muito mais tempo. Como Rebecca morreu? Quais as circunstâncias que levaram a esse acontecimento? Na nova adaptação, somos um pouco mais atiçados na curiosidade.
Ademais, não é que a visão mais intimista do celebrado diretor inglês esteja ultrapassada, longe disso. A história é a mesma e a diferença está nos detalhes. Enquanto não vemos praticamente nada da relação amorosa de Maxim e a Sra. de Winter em seu filme, Lily James e Armie Hammer são bem mais fogosos. Embora na primeira película a soturna governanta Sra. Danvers (Judith Anderson) seja uma figura mais etérea (ela parece flutuar em tela e não caminhar), na segunda (com Kristin Scott Thomas) ela dá muito mais medo. Os criados de 1940 também são muito mais amigáveis do que os de agora, que mal olham para sua nova senhora.
Mais ainda, o julgamento que acontece mais para o final da história chega a ser visceral em 2020 (uma cena memorável, inclusive, talvez a melhor do filme), mas lá atrás em 1940, não teve nada de muito notável. Entretanto, tanto George Sanders como Sam Riley (o Diavel de Malévola) dão show como o oportunista Jack Favell, com suas vozes soturnas carregadas de sotaque.
Sendo assim, é tudo uma questão de sensibilidade e de entender como cada produção nos afeta e, como dito, ambas as obras têm suas vantagens e desvantagens. Se a primeira contou com a genialidade de Hitchcock, a segunda tem a contemporaneidade a seu favor e um final que, embora menos bonito, é bem mais instigante. Qual é a melhor? Não sei e talvez essa pergunta nem deva ser respondida. A solução está em assistir à ambas! Dou nota por pura convencionalidade e ela será a mesma para as duas obras. Afinal, é melhor assistir a dois filmes excelentes do que a um só.
Respostas de 4
Gostei muito da crítica. Parabéns!
Vou assistir agora
Obaaa!!!
Excelente crítica. Fundamentada em grande conhecimento sobre o tema. Parabéns!
😍😍😍