O vazio cede espaço à descoberta, mas peca em alguns momentos.
Ao abrir Resgate do Coração com uma tomada aérea da Estátua da Liberdade – um dos maiores cartões-postais e símbolos da cidade de Nova York –, o cineasta Ernie Barbarash contrapõe a própria situação da protagonista que, vivendo em um casamento de 20 anos, percebe que não conseguiu a liberdade relacionada ao trabalho e à vida pessoal, esta última representada religiosamente através do ensaio fotográfico da família perfeita feita para o fim de ano. Aliás, triste notar que, quando revela às amigas que pretende retomar a carreira de veterinária, uma questiona: “Por que precisa voltar a trabalhar?”. Retrato de como algumas mulheres tornaram-se refém do estilo de vida que levam. Kate (Kristin Davis) percebe que viveu única e exclusivamente para a família, mas esta desmorona não apenas no momento em que seu filho único Luke (John Owen Lowe) deixa tudo para seguir sua vida universitária, mas ao perceber que, sem mais nem menos, o marido Drew (Colin Moss) também já estava de malas prontas para abandoná-la. Kate havia planejado uma segunda lua de mel para Zâmbia e decide embarcar nesta aventura mesmo estando sozinha.
A trilha sonora melodramática de Alan Ari Lazar no início vai tomando corpo ao longo do filme, em uma espécie de representação do espírito adormecido de Kate, deixando aos poucos para trás aquela vida medíocre que levava e encontrando sentido em suas ações a partir do momento em que conhece o piloto de avião comercial Derek Holliston (Rob Lowe), que é o encarregado de levá-la através do continente africano. Logo na primeira viagem da moça, Derek resolve fazer um pouso em meio à selva e resgata um filhote de elefante. Ao comunicar aos amigos da Fundação responsável pela proteção contra os caçadores de marfim, Kate se comove com a situação e muda totalmente seu itinerário, passando a acompanhar bem de perto a trajetória do pequeno. Carinhosamente apelidada de “Nova York” por Derek, o raccord na montagem de Heath Ryan no momento em que Leslie (Owen) fecha a tenda dele instantaneamente transferido para quando Kate abre a sua, representa de forma clara a situação de ambos: enquanto Derek se sente pressionado ao lidar com uma das responsáveis pela liberação dos fundos, “Nova York” está à vontade em seu novo habitat.
Porém, o roteiro ansioso de Resgate do Coração se assemelha muito a um desfile de escola de samba, onde a comissão de frente acelerada compromete o fluir do restante. Exemplo disso é que, por incrível que pareça, toda a introdução deste texto resume-se aos sete primeiros minutos de filme. Embora a fotografia traga instabilidade devido à tensa conversa entre Derek e Leslie e explore bem os campos abertos da África contrastante ao ambiente apertado, mas acolhedor da tenda de Derek, Hein de Vos e Barbarash pouco exploram as diferenças culturais entre os dois continentes envolvidos.
Aliás, dá para sentir a mão pesada de Rob Lowe – produtor executivo do filme – já que, por muitas vezes, é quase que uma obrigatoriedade mostrar seu rosto como se ainda fosse aquele galã dos anos 1980, mas que teve pouca sorte em produções desse tipo – vale ressaltar que o primeiro nome que aparece no filme é justamente o dele. Há também a aposta na química entre seu personagem e o de Davis, já que ambos trabalharam juntos anteriormente. Seu charme natural vem perdendo o encanto e é dominado pela naturalidade da personagem de Kristin Davis e o carisma de seu filho Luke (John, filho de Lowe na vida real). Outros pontos que tentam aproximar seu personagem do telespectador são os fatos de ele se assemelhar brevemente à Indiana Jones, com aquele chapéu de explorador e jaqueta, mas mais ainda ao seu jeans de tom azul claro bem parecido com o do Dr. Grant, só que ao invés de dinossauros, elefantes.
Filmado na África do Sul e Zâmbia e vagamente esbarrando em O Encantador de Cavalos, Resgate do Coração, filme da plataforma de streaming Netflix, traz questões interessantes acerca do autoconhecimento, representado também por dois pontos-chave da trama, quando Kate passa a usar um colar com dois elefantes no lugar das jóias habituais, e principalmente quando, em determinado momento, se encontra com o ex-marido e este questiona: “Lá na África você encontrou alguém?”, ao passo que desabafa: “Sim. E me encontrei!”.