‘Segredos Oficiais’ é uma verdadeira aula de política, jornalismo e determinação | Crítica

Longa mostra a identidade de legítimos heróis da vida real

Segredos Oficiais é uma expressão que mesmo sozinha e fora de contexto traz bastante significado. Gera curiosidade, no mínimo. E a curiosidade já matou um gato, como diz o ditado. Mas quando esse termo entra no panorama político, a coisa fica muito mais séria que a simples abelhudice humana. Misture a imprensa nesse caldo e pronto! Temos nitroglicerina pura. E aí pode ser o fim não de um, mas de muitos gatos.

Foi esse fim que Katharine Gun tentou impedir quando um desses segredos oficiais chegou a seu conhecimento. Antes de mais nada, porém, importante recordar que o longa de Gavin Hood é baseado em fatos verídicos e pode ser considerado, inclusive, uma complementação de Vice (2018), filme que conta a história da vida e da ascensão de Dick Cheney a vice-presidente do país mais poderoso do mundo na época em que era governado por George W. Bush.

As histórias ocorrem quase que concomitantemente, uma nos Estados Unidos (Vice) e a outra na Inglaterra (Segredos Oficiais), e as duas abordam, pelo menos em parte, um dos tristes episódios da História recente: a guerra do Iraque, quando um número assustadoramente grande de gatos morreu.

Feito esse parênteses, voltemos a Katharine Gun que, interpretada pela talentosa Keira Knightley e seu marcante sotaque britânico (o que a tornou perfeita para o papel), era uma simples civil com um cargo erroneamente subestimado de tradutora na GCHQ – Sede das Comunicações do Governo (Government Communications Headquarters). Em razão disso, por ela passavam informações ultrassecretas que, de maneira alguma, poderiam ser repassadas, sob pena de violação da Lei de Segredos Oficiais de 1989.

Mas quando Gun descobriu que seu governo estava ajudando em uma operação ilegal projetada para levar o Conselho de Segurança da ONU a sancionar a invasão do Iraque em 2003, ela simplesmente não aguentou ignorar. Por isso, na atitude mais corajosa de sua vida, tomou a decisão de vazar essa informação para a imprensa, fabricando, assim, aquela nitroglicerina pura.

Jovem e ingênua à época desses acontecimentos, Katharine acreditou que os jornalistas simplesmente investigariam a bomba que tinham nas mãos e que ela própria permaneceria no anonimato, com sua consciência tranquila por ter feito algo a respeito do que considerava uma ofensa – tanto para seus compatriotas ingleses (que não tinha noção do que seu governo estava planejando) como principalmente com os iraquianos. “Eu não trabalho para o governo” – ela diz, em uma das cenas mais emblemáticas do longa -, “governos mudam. Eu trabalho para o povo inglês”.

Todavia, ao contrário de suas expectativas, o documento que ela tão sigilosamente havia vazado através de uma amiga é estampado na capa do jornal The Observer e, então, sua vida é virada de cabeça para baixo e o filme consegue margem para explorar outros assuntos. É o caso da imigração e do preconceito contra curdos, por exemplo, já que Katharine é casada com um deles e quase o vê ser deportado como represália de seu “leal” governo.

Política pura. Segredos Oficiais é um filme real em todos os sentidos, um verdadeiro jogo de xadrez (ou seria melhor dizer jogo de tronos?), em que tramas são armadas, bodes expiatórios são construídos, ameaças são feitas, caráteres são revelados, máscaras caem e a verdade acaba sendo revelada. É preciso ter coragem para jogar, discernimento para entender que nem sempre haverá vitória, mas que, às vezes, a justiça acontece.

Mais do que isso, ele mostra heróis verídicos, pessoas comuns que não possuem superpoderes, mas que fazem a diferença. Essa heroína é Katharine Gun, que teve coragem de fazer o que seus colegas na agência de inteligência não tiveram, que se indignava ao ver as mentiras dos governantes na TV (que gritava com o aparelho inclusive). Esse herói é Martin Bright (Matt Smith), o jornalista que assumiu a história para o Observer e mostrou como se faz jornalismo sério. E é também Ben Emmerson (Ralph Fiennes), o advogado de Gun que defendeu a cliente como defenderia a si próprio e enfrentou promotores e juízes para que a verdade fosse trazida à tona.

Elenco de peso que transformou o filme de história real em uma boa história de ficção, sem cara de documentário, mas sem se perder na fantasia.