Acidentalmente ou não, Sonic: O Filme consegue retratar fielmente seu público-alvo.
Após ser obrigado a fugir de seu planeta natal, Sonic (Ben Schwartz) leva uma vida às escuras no planeta Terra. Devido ao seu dom de possuir extrema velocidade, o ouriço azul precisa levar uma vida discreta para que não o capturem e tentem explorar o seu poder de maneira maligna. No entanto, após acidentalmente causar um apagão na pacata cidade de Green Hills, Montana, Sonic acaba chamando a atenção das autoridades nacionais e é perseguido incessantemente pelo Doutor Robotinik (Jim Carrey). Precisando de ajuda, o ouricinho velocista pede apoio para o policial amigo da vizinhança, Tom Wachowski (James Marsden).
Ansioso, impulsivo e agitado. Estes adjetivos poderiam muito bem estar falando dos jovens nascidos na geração Z, a primeira geração digitalmente nativa que graças a internet se acostumou com o fluxo constante de informações e, por isso, leva um estilo de vida frenético. No entanto, estes termos também servem para caracterizar o primeiro Sonic das telonas. Conscientemente ou não, a representação do ouriço azul é extremamente semelhante a de uma criança nascida nesta geração: ele fala sem parar, adora citar referências e easter eggs, sabe as dancinhas do Fortnite e por aí vai. Essa representação condiz com a proposta do filme de abraçar uma pegada infantil e acaba refletindo seus espectadores. Muito provavelmente as crianças se identificarão com a personagem.
O retrato dessa geração não termina aí. Toda a encenação do filme parece criada por uma pessoa nascida nesta época (e eu não digo isso como um demérito). O filme é uma montanha-russa de momentos, com altos e baixos. Seu ritmo acelerado e seus cortes rápidos emulam a ansiedade geracional que quer tudo de maneira imediata, mas, em alguns momentos, o filme se perde criando algumas barrigas que não vão a lugar algum, parecendo que é tão desligado quanto um adolescente nascido pós anos 90.
Sua falta de tom também parece parte de uma cabeça em constante ebulição. O filme abraça o cômico, o melodramático, a ação e a aventura, mas não parece se decidir nunca qual gênero quer pertencer, nem parece ter a intenção de tomar tal decisão. Além disso, seu bombardeio de referências acaba transformando o longa-metragem em um grande amálgama de coisas, com momentos em que o Sonic emula o Deadpool, com uma grande corporação maligna representada pelo governo estadunidense, o uso da câmera lenta para demonstrar velocidade do protagonista, entre outros clichês clássicos.
Com uma fotografia extremamente colorida e tons super saturados, o filme imprime a sua atmosfera mais infantilizada e despretensiosa. Não há o sombrio e o realismo de filmes de heróis que se levam a sério demais, há apenas cores pulsantes emulando um tom fantasioso para divertir a criançada. Essa despretensão é evidente não só na falta de vontade de estabelecer um tom específico (como já citado), mas na liberdade que o filme dá para seus atores, especialmente Jim Carrey. O antagonista do filme está completamente sem amarras e Jim Carrey está ligado no 220, como sempre. Robotinik tem momentos extremamente afetados e caricatos, que pode incomodar alguns, mas que certamente cativará a molecada. Outro elemento extremamente pitoresco do filme é a sua trilha sonora, sempre usada como forma de criar sacadas espertinhas para o público.
As cenas de ação são bastante satisfatórias. Tirando a luta do bar que parece uma grande encheção de linguiça, as batalhas são de longe as coisas que mais empolgam no filme. O diretor Jeff Fowler consegue emular bem os poderes do Sonic e transforma em piada os milhares de artifícios que Robotinik possui para tentar capturar o ouriço velocista. No entanto, todo esse esmero com a ação acaba sendo deixado de lado nos demais momentos do filme, em especial, os dramáticos. Há uma química evidente entre James Marsden e Sonic, mas o personagem de James não ajuda. Ele é o estereótipo do policial bonzinho amigo da vizinhança e acaba sendo extremamente unidimensional. Além disso, os demais personagens servem apenas como muleta ou alívio cômico.
Ao final, a sensação que Sonic: O Filme deixa é que os produtores e roteiristas não possuíam muitas ideias para o filme, mas queriam de alguma forma apresentar as peripécias de Sonic. Há um carinho pelo personagem que é nítido, mas este mesmo carinho não é dado para o restante do filme, fazendo com que sua unidade vá para o espaço. Apesar disso tudo, o longa metragem consegue de alguma forma representar minimamente a geração Z através da figura do ouriço, o que faz com que a única ideia que o filme conseguiu desenvolver minimamente seja interessante de alguma forma. Vamos torcer para que na possível sequência (é o que a cena pós-créditos indica), o filme encontre o seu tom.