O fenômeno das adaptações de histórias em quadrinhos para o cinema não para nem durante a pandemia. Mesmo com Marvel e DC sem lançarem seus filmes de super-herói (impactando diretamente as heroínas de ambos os lados – Mulher-Maravilha e Viúva Negra tiveram seus longas adiados), a Netflix continua a tendência, e, depois de Resgate, lança The Old Guard, baseado nos quadrinhos de Greg Rucka, roteirista do filme, e Leandro Fernandez.
A história da vez é centrada em um grupo de guerreiros imortais liderados por Andrômaca, a Cita, ou apenas Andy, interpretada por Charlize Theron. Vivendo séculos nas sombras tentando fazer o bem sem se revelarem ao mundo, o grupo agora é perseguido por uma empresa farmacêutica que quer extrair a imortalidade de seus corpos. Ao mesmo tempo, uma nova imortal aparece no mundo e eles precisam protegê-la a todo custo.
Para ficar apenas no mundo dos quadrinhos, The Old Guard seria um filme dos X-Men se toda a equipe fosse composta por diferentes Wolverines. Todos podem ser esfaqueados, explodidos e alvejados que minutos mais tarde começam a expelir as balas que os atingiram e estão prontos para o ataque. Ou pelo menos até o momento que sua imortalidade se esvai. Sem entrar em muitos detalhes sobre como se tornaram imortais, é igualmente vaga a explicação de quando seus poderes começam a falhar. A aposta mais certa seria de que com o tempo suas habilidades de regeneração vão sendo reduzidas a zero, quando enfim voltam a ser mortais.
No entanto, o foco do filme não é esmiuçar os pormenores de como funcionam as habilidades dos heróis, e sim do peso que é viver além do esperado pelos humanos. A equipe precisa enfrentar a solidão e a tristeza de não poderem se relacionar com humanos normais, pois invariavelmente vão viver muito mais que seus parceiros. A exceção fica por conta do casal Joe (Marwan Kenzari, o Jafar da versão live-action de Aladdin) e Nicky (Luca Marinelli), imortais que se apaixonaram e mantem uma relação por séculos. É importante frisar a excelente caracterização de um casal homoafetivo dentro de uma fita de ação. O relacionamento entre eles é mostrado com naturalidade e quando confrontados com o preconceito de sempre a resposta de Joe é incisiva e direta.
A nova imortal, Nile (KiKi Layne), serve como nosso proxy nesse mundo de seres imortais. Ao ser “recrutada” por Andy, recebemos todas as explicações necessárias para entender como funciona a tal velha guarda e vemos alguns flashes de momentos anteriores do grupo. A história do passado de Andy é um dos pontos altos do longa, com boas cenas de ação e até uma cena assustadora relacionada a um caixão de ferro. Essa passagem ainda deixa um gancho para uma possível, talvez inevitável, sequência.
Quanto ao elenco, Charlize Theron é mais do que gabaritada para o papel da líder durona. Theron é hábil em misturar a seriedade da líder com a vulnerabilidade de alguém confrontando sua mortalidade pela primeira vez. Seu segundo em comando, Booker, também é interpretado por Matthias Schoenaerts com a dose certa de cansaço e solidão. Fecham o elenco Chiwetel Ejiofor, em um papel menor, preso a diálogos expositivos, e Harry Melling (o Dudley Dursley da saga Harry Potter) como o presidente de uma empresa da Big Pharma e vilão da trama.
De resto, o longa não oferece muitas novidades ao gênero de ação e fantasia. As cenas de lutas são bem coreografadas, mesmo que a montagem as tornem um pouco confusas. A mistura de armas brancas com armas de fogo explicita bem as características de um grupo que luta há séculos. Mesmo com uma trama bem objetiva e óbvia em suas viradas, a força de The Old Guard reside mesmo em seus personagens e suas tentativas de fazer com que seus dons sejam usados sempre para o bem. Fica a expectativa de que esse bando de Wolverines volte em uma trama melhor.