Yorgos Lanthimos está de volta em um chocante e ousado projeto – palavras que não são novas para o diretor. Aqui, ele divide Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness), seu filme de 164 minutos, em uma coleção de três fábulas que acompanham diferentes personagens, todos unidos por um tema em comum: a devoção.
Primeiro, somos apresentados a um homem sem escolhas que tenta assumir o controle de sua vida; em seguida, a um policial alarmado pelo retorno de sua esposa, dada como desaparecida no mar e que agora parece ser uma pessoa completamente diferente; e por fim, a jornada de uma mulher determinada a encontrar alguém com uma habilidade especial, destinado a se tornar um prodigioso líder espiritual.
O universo criado nos três contos mergulha de cabeça no surrealismo, de tal forma que pode deixar muitos espectadores confusos sobre o propósito dessas histórias. Eu mesma saí da sala com um sentimento de inquietação, talvez até medo. É como se o banho de sensações proposto me deixasse apática e sem reação.
Embora chocante em muitos momentos, os personagens vivem um cotidiano pacato, em situações lentas do dia a dia. Eles dirigem, observam barcos, fazem check-in em hotéis e cozinham; ainda assim, essa ambientação lenta transborda constrangimento, com tons de humor ácido envoltos em um cobertor de bizarrice. Mas isso era mesmo necessário?
Queixas à parte, o filme se torna interessante depois de um momento de reflexão e digestão. Falem bem ou mal, Lanthimos desperta sentimentos que só ele consegue despertar. Nojo e tédio raramente andam de mãos dadas, mas ele entrega isso junto com outros questionamentos.
Até onde uma pessoa é capaz de ignorar a moralidade para manter seu status ou alcançar seus objetivos? Contudo, quem for pego desprevenido pode não prestar atenção nessas questões e achar o filme horrível, sem vergonha de admitir. Afinal, o estilo do diretor é muito nichado e poucos podem apreciá-lo. Eu mesma me senti intelectualmente incapaz demais para gostar desse filme.
Mas um grande acerto foi a escolha do elenco, que compõe uma sociedade que explora como as relações humanas podem ser levadas ao limite quando paixões e obsessões entram em cheque. Sentido? Você não encontrará facilmente. Conveniência de roteiro? Jogamos pela janela, pois compramos a ideia de que aqueles mundos são assim e não podem ser usados como régua para nossa realidade.
As questões de poder, desconfiança e lealdade permeiam as três histórias, e mais uma vez, Emma Stone é a musa de Yorgos. Ao lado dela, temos Jesse Plemons, que pode ser considerado um protagonista. Em todas as narrativas, ele brilha justamente por sua aura estranha, capaz de causar desconforto, alinhando-se perfeitamente às intenções de Tipos de Gentileza. Willem Dafoe, Margaret Qualley e Hong Chau complementam os contos com suas peculiaridades, nudez e entrega.
Isso prova que é necessário talento e diversidade para atuar em um projeto como este. São tantas cenas absurdas que um amador não as executaria sem rir, ou ao menos levar seu personagem a sério o suficiente para transmitir essa roleta de sentimentos.
Chego ao fim deste texto da mesma forma que comecei: abismada com a ousadia de Yorgos em dar tempo de tela a todas as suas maluquices. Ao mesmo tempo, invejo sua capacidade criativa de executar tamanho absurdo sem medo de sofrer retaliação da indústria, especialmente depois de ser extensamente premiado.