Não é novidade para ninguém que a Netflix entrou pesado no mercado cinematográfico de 2015 para cá com a intenção de bater de frente com Hollywood. Essa investida, no entanto, levou alguns anos para dar frutos reais à gigante do streaming mundial. Mesmo com grandes nomes como Adam Sandler (Os Seis Ridículos), Idris Elba (Beasts of No Nation), Robert Redford (The Discovery) até o diretor do momento, Bong Joon-ho (Okja), a empresa parecia incapaz de penetrar nessa fatia, seja pela falta de marketing de tais filmes ou, muitas vezes, pela qualidade duvidosa dessas produções. Veio 2018 e, aí sim, o tão esperado reconhecimento de público e crítica, com Roma. Vários prêmios depois, não é incomum esbarrar pelas ruas com grandes peças publicitárias anunciando a mais nova produção Netflix da semana, que serão discutidas e analisadas até o próximo filme ser lançado. É aí que chegamos em Troco em Dobro, quinta colaboração entre o diretor Peter Berg e o ator Mark Wahlberg.
Baseado na série de livros de mistérios escrita por Robert B. Parker e já adaptada anteriormente para a TV, Troco Em Dobro conta a história do ex-policial Spenser (Wahlberg), expulso da corporação e preso por agredir um superior. No dia de sua soltura e disposto a recomeçar sua vida dirigindo um caminhão, Spenser se envolverá em um crime ligado diretamente a ele. Usando de uma certa malandragem e contando com a ajuda de seu pai (Alan Arkin), um colega de quarto muito peculiar (Winston Duke, o M’Baku de Pantera Negra) e a ex-namorada (Iliza Shlesinger), Spenser vai descobrir todo um submundo do crime em Boston.
Pela sinopse poderíamos deduzir que se trata de mais um daqueles filmes de ação noir com o herói sisudo, que vai derrotar todos os seus algozes na pancada, sem se deixar abalar pelo perigo. Ainda mais quando esse personagem é interpretado por Mark Wahlberg. No entanto, o tom deste longa é bem menos solene do que um filme da série Jack Reacher, estrelado por Tom Cruise, por exemplo. O Spenser de Wahlberg consegue o que quer e avança em suas investigações muito mais apanhando do que batendo. Chega a ser digno de comédia pastelão o sofrimento físico a qual o personagem principal é submetido. Mordidas, socos, chutes são comuns no cotidiano de Spenser. Enquanto isso, seu parceiro Hawk (Duke) é o seu contraponto: analisa mais friamente a situação antes de entrar em ação, ou até mesmo perceber que é melhor que nem participe dela. O longa subverte um pouco o clichê da dupla que se odeia, mas que coloca as desavenças de lado por um bem maior. A relação entre Spenser e Hawk embora não seja amistosa, é construída de forma mais orgânica e realista do que outros filmes do gênero.
Dirigido por Peter Berg com sua energia habitual, que mistura Tony Scott com Michael Bay, o longa possui uma boa fotografia, ressaltando a geografia de Boston, e as sequências de ação, mesmo não sendo lá muito criativas, são dinâmicas e prendem a atenção do espectador. O diretor ainda faz alguma graça com as tradicionais cartelas que indicam os locais do filme, o que garante uma risada ou outra. É uma pena que a bela estética do filme seja empregada a serviço de uma história tão simplória e pouco imaginativa. Estão lá todos os clichês do gênero policial, com suas reviravoltas previsíveis e resoluções explosivas. A chamada do filme nas propagandas espalhadas pela cidade afirma que o longa é “tudo que você espera de um filme de ação”. E isso é entregue tanto para o bem quanto para o mal.
O que eleva Troco em Dobro um pouco acima de longas similares está no fato de não se levar tão a sério. E isso ajuda bastante a relevar qualquer inconsistência na sua história. Com um óbvio gancho para futuras sequências, o elenco afiado gera empatia o suficiente para que o público queira vê-los novamente em outra aventura. De preferência uma não tão óbvia quanto essa.