Se existe um gênero cinematográfico que sempre teve um déficit no Brasil, esse é o filme natalino. Toda a referência que o povo tupiniquim tem de Natal é o norte-americano com uma quantidade insana de neve (algo que passa longe do país). Se temos expectativas de um Papai Noel descendo pela chaminé com roupa de inverno em plano país tropical, a culpa é de Hollywood. Então quando a Netflix anunciou ‘Tudo bem no Natal que vem’ foi difícil não ficar entusiasmada em finalmente termos um filme que retrata a nossa realidade nesse período, mesmo sendo um filme do Leandro Hassum. Nada contra a pessoa do comediante, mas seu estilo pastelão exagerado não é para o público que curte filmes de profundidade, A.K.A o cult “chato”. Mas é época de espalhar generosidade e esquecer picuinhas bestas e se entregar ao clima. Mesmo porque depois do ano de 2020 qualquer motivo para rir é válido.
A trama acompanha a história de Jorge (Hassum), um pai de família que faz aniversário no dia 25 de dezembro, o que faz com que ele odeie o Natal. Em 2010 ele fica preso no dia 24 de dezembro. Agora, este homem rabugento vai aprender o que realmente importa na vida.
No momento em que você vê o trailer aparecem referências de Um Feitiço no Tempo (1993) e Click (2006), o que provavelmente inflamou a ira de alguns amantes da sétima arte. Contudo, é importante fazer uma reflexão: não há nada de errado em reciclar ideias antigas, na verdade, as pessoas precisam parar de julgar esse método, (incluindo eu) porque na indústria tudo é reciclado. Então quando um projeto nacional usa de outros filmes para se inspirar, ele fracassa antes mesmo das pessoas assistirem. Não há problema nenhum em aproveitar antigos enredos, o problema é quando a execução peca, algo que o interprete desse projeto tem o costume de fazer. Leandro Hassum é um comediante do exagero, e em projetos passados tentou – com pouco sucesso -, reproduzir os trejeitos de lendas como Jim Carrey e Jerry Lewis. Ele tem um brilho próprio e, quando ele assume isso, é bem-sucedido. É isso o que acontece nesse filme.
Assim, finalmente alguém colocou na tela a luta que o brasileiro enfrenta na véspera de Natal: o calor insuportável, as piadinhas do pavê, os barracos em família, pegar centro lotado pra comprar presente de última hora, etc. Desse modo, quando abrimos a mente para o que o filme realmente é, compramos quase todas as ideias. Ele tem seus tropeços, mas nada que atrapalhe a experiência. Por exemplo, eu acredito que Jorge seja um homem abastado, mas não dá para engolir a presença de uma chaminé em um lar carioca – aí forçou a amizade.
Além disso, outra coisa que foi criada de forma superficial é a forma que o protagonista foi amaldiçoado. Quem nasceu em dezembro sabe o inferno que é fazer aniversário num mês que não é sobre você, e se você odeia o Natal por isso você está certo. A fala que o nosso herói cita pouco antes da desgraça acontecer – “oh, data ruim que não serve pra nada” -, dificilmente é um motivo para ele passar por essa realidade alternativa. Como não acompanhamos a vida do Jorge antes do Natal, questionamos se ele realmente merecia esse castigo. A maneira como ele é amaldiçoado também é muito fraca – a produção poderia trabalhar com a mística do Natal!
Haviam tantas possibilidades e a razão para punir uma pessoa era pelo fato de simplesmente não curtir um determinado feriado? Mas, de qualquer forma, o filme tem seus méritos, a começar pela comédia que está menos exagerada — apesar de ter seus momentos pastelões.
Assim, conforme vemos os anos se passarem para Jorge, em algum momento temos a impressão de cansaço, afinal, as mesmas situações ocorrem todo Natal. Isso não parece fora da realidade? Não! E eu te desafio a parar para refletir acerca de seus últimos Natais. Quantas situações você pode contar que se repetem?
Ademais, outra qualidade notada no longa foi algo que raramente vemos em uma trama. No segundo Natal, quando Jorge toma consciência de que está vivendo a data novamente, ele conta para Laura (Elisa Pinheiro), sua esposa, que imediatamente acredita nele e tenta ajuda-lo a passar por tudo. Eu não sei você leitor, mas eu fico num ódio quando um protagonista está passando por uma situação sobrenatural e todo mundo o julga como louco até a metade do filme, até que finalmente um personagem peculiar acredita em sua história. Você vê na cara do personagem o desespero e a verdade no que ele fala, e ainda assim todo mundo invalida sua vivência. Pontos para o filme por economizarem tempo nesse cenário. Inclusive, parabéns para Elisa Pinheiro, que consegue englobar o papel de mãe e esposa compreensiva, enquanto passa a força de sua personagem que não vemos com clareza até o terceiro ato.
Sendo assim, ‘Tudo Bem No Natal Que Vem’ é uma comédia de ocasião, tem seus clichês e você já sabe imediatamente o desfecho que vai se seguir. O roteiro é raso, mas consegue emocionar e gerar a reflexões de que nada nessa vida é permanente. Você antecipa os acontecimentos e atitudes do personagem, mas você fica entretido no processo. Mesmo tendo um enredo supostamente comum, o filme desperta muita empatia pelos personagens, e acima de tudo, faz você rir. Basta tirar sua cartola vintage de cinéfilo cult por uma hora e quarenta minutos que você vai ter um momento leve e despretensioso.