Crítica | ‘Tudo Pela Arte’ não é uma obra-prima, mas entretém

Onde está a verdade na arte? É possível analisar uma obra meramente pela sua técnica sem se levar pela história de seu autor? O crítico de arte é uma fonte confiável para aferir o real valor de determinada obra? Todas essas questões são levantadas nos primeiros minutos de Tudo Pela Arte, um thriller dramático que chega às plataformas de streaming brasileiras neste fim de agosto. Quem propõe tais questões é seu protagonista, o crítico de arte James Figueras (Claes Bang, o Drácula da Netflix). De palestra em palestra, Figueras tenta fazer algum dinheiro vendendo seu próprio livro, cujas caixas abarrotam seu apartamento. 

Em uma dessas palestras ele conhece a misteriosa Berenice, interpretada por Elizabeth Debicki, uma entusiasta do mundo da arte e que irá iniciar um tórrido romance com Figueras. No entanto, o que pode mudar a maré de sorte do crítico é seu encontro com o marchand Joseph Cassidy (Mick Jagger, de volta ao cinema depois de quase 20 anos de sua última atuação), um excêntrico colecionador. Cassidy então propõe a Fiqueras que consiga para ele uma obra do recluso pintor Jerome Debney (Donald Sutherland) em troca de um providencial impulso na carreira do frustrado crítico. Temos aí os ingredientes para um tradicional filme de assalto, mais especificamente de assalto de obras de artes que, por si só, poderia ser um subgênero, com longas como Crown – O Magnífico, O Caravaggio Roubado, entre outros.

Contudo, o diretor italiano Giuseppe Capotondiprefere focar mais nas relações entre os personagens, dando espaço para longas cenas onde estes discutem arte e o processo criativo sem avançar a história propriamente dita. Seria uma abordagem interessante caso tais diálogos não fossem tão pomposos e, no final das contas, sem propósito. Os personagens travam duelos intelectuais onde o objetivo parece ser apenas ser a pessoa com a última palavra, sempre uma provocação intelectualóide sobre conceitos abstratos. Isso acaba estendendo um filme que mesmo com 99 minutos parece muito maior que isso. Quando decide se ater a trama principal, Tudo Pela Arte ganha força com suas influências hitchcoquianas e dos filmes noir, onde nada é o que parece e ninguém pode ser confiado.

O elenco defende bem os seus papéis, mesmo que os diálogos não colaborem. O destaque vai para Debicki, que compõe sua Berenice com um misto de assertividade e inocência, sempre nos fazendo questionar suas reais intenções. O ponto negativo fica com a atuação de Jagger, parecendo sempre estar um tom acima dos demais atores em cena, mas como sua participação é pequena não é nada que comprometa a experiência do espectador. E Donald Sutherland, do alto dos seus 85 anos, sempre é um prazer de ver atuar. Suas cenas refletem bem o estado de espírito do renomado artista recluso Debney e sua busca por uma determinada cor nos revelam um pouco mais de sua personalidade sem precisar de diálogos expositivos. Fechando o elenco, Claes Bang confere uma energia e até um físico típico dos galãs clássicos dos filmes noir do anos 40 e 50 que o filme tenta emular.

Filmado na Itália, o longa faz jus ao seu tema com belas paisagens e uma fotografia clássica, como se os próprios personagens fizessem parte de pinturas que poderiam ser expostas em um museu, com seus cenários abertos e amplos, criando uma boa atmosfera e nos prepara para as viradas do roteiro em sua reta final.

No final das contas, as questões lançadas no início do texto acabam sem resposta na medida que o filme vai se descobrindo como thriller, e é uma pena que leve tanto tempo para chegar lá. Mesmo sendo uma boa cópia de outros filmes, Tudo Pela Arte não chega aos pés dos originais.