A relação dos pais com um(a) filho(a) – e principalmente da mãe, que o(a) gera durante nove meses em seu próprio corpo – é a mais forte que existe. A boa ou má criação que eles nos dão, ou até mesmo a não criação, determina nosso futuro, molda nossa visão de mundo e influencia diretamente na pessoa que seremos amanhã. E não é uma relação fácil, por melhores pais e/ou filhos que sejamos, como bem ilustra o filme Um Grito de Liberdade (Annem), do diretor Mustafa Kotan.
Primeiramente e antes de mais nada, devo confessar que não sou grande conhecedora do cinema turco – minha parca experiência vem da série O Último Guardião, da Netflix, cujas críticas da primeira, segunda e terceira temporadas também escrevi e estão disponíveis – e, por isso, me esforçarei ao máximo para não entrar em aspectos sobre os quais não possuo um mínimo de autoridade para reconhecer.
Posto isso, como já dito no parágrafo de abertura, o foco de Um Grito de Liberdade está na história de Ayse (Sumru Yavrucuk) e Nazli (Özge Gürel), mãe e filha, respectivamente, que vivem em uma vila modesta da Turquia, a muitos quilômetros de Istambul. Dona de casa pobre, Ayse é daquelas mulheres que nasceram para ser mãe e vivem por seus filhos (no caso, filha), lutando por sua felicidade com todos os meios de que possam dispor. O amor dela por Nazli é tamanho que chega a ser tangível, transpondo a tela e atingindo diretamente o espectador. É nesse ínterim que a atuação de Yavrucuk se torna no mínimo louvável – dá até para pensar que Gürel é sua filha de verdade.
Assistindo à película, torna-se clara e cristalina a sabedoria do dito popular que diz que amor de mãe não tem igual. Ele sobrevive a tudo, incluindo a distância e – pior ainda -, a ingratidão e a humilhação. Nesse sentido é que o sangue sobe à cabeça quando vemos Nazli sendo uma filha tremendamente ingrata que demora muito a reconhecer a mãe maravilhosa que tem. Quando ela a humilha não há como impedir que um sentimento muito ruim venha à tona. Shame! Uma atitude extremamente vergonhosa.
Sendo assim, pelo que já foi dito, percebe-se que Um Grito de Liberdade não é um filme leve, passando longe de ser uma comédia. É uma trama dramática que pode muito bem se encaixar na realidade de muitas pessoas mundo afora – uma mulher que não conseguiu terminar seus estudos e, por esse motivo, assume como objetivo de vida proporcionar essa oportunidade à filha; uma jovem que passa a infância e a adolescência ouvindo o pai abusar da mãe e, como reação, prefere passar a odiá-la por não fazer nada contra isso.
É mais uma daquelas histórias que, com um roteiro simples – mas muito bem executado – e cenários poucos complexos, querem mostrar a realidade nua e crua da existência, bem como a dureza das lições que a vida dá, mesmo quando nos recusamos a aprender. Já a trilha sonora se apresenta mais nos momentos leves em que há alguma alegria, acredito que pelo fato de a música turca ser mesmo mais alegre.
Notáveis também são as atuações das duas atrizes principais. Mesmo com uma interpretação um pouco mais afetada (até pela entonação diferente da fala dos turcos, fato que já havia notado em O Último Guardião e que pode soar um pouco estranha para nós), Sumru Yavrucuk emociona até o mais duro dos corações. Já Özge Gürel apresenta uma performance bem mais próxima da que estamos acostumados, mas não fica para trás. Mesmo que em muitas cenas sintamos raiva de sua personagem, como já dito, tal fato só mostra como ela desempenhou bem seu papel. Em certos momentos, dá para nos colocarmos em seu lugar e entender suas motivações, ainda que seja difícil justificá-las.
Dessa forma, é fácil chegar à conclusão de que alguns irão acusar Um Grito de Liberdade de ser mais parado ou até mesmo monótono – e não sem certa razão, ainda mais se comparado com O Último Guardião, que é uma série de fantasia e ação. Todavia, há que se reconhecer sua sensibilidade e a bonita mensagem que passa. Mantenha sua mãe por perto! Quando os créditos subirem, você vai querer sair correndo para abraçá-la.