Crítica de filme

Um Senhor Estagiário’

Publicado 5 anos atrás

Nancy Meyers sempre se reinventou na hora de contar histórias e criar personagens fora da curva. Apesar de similares, a escritora tem a capacidade narrativa de criar pessoas com problemas reais. Mesmo que elas tenham alto poder aquisitivo para os padrões da sociedade, qualquer um se enxerga naquela situação, lidando com os mesmos problemas. Desde sempre seus filmes cativaram, é raro ter vontade de pausar uma de suas obras. Quando chega ao fim, sobra uma sensação gostosa de uma história que foi bem amarrada e entregou um final satisfatório, pois, sua habilidade com as palavras sempre foi impecável, apesar de alguns buracos no caminho, vulgo Do Que As Mulheres Gostam. Assim, Um Senhor Estagiário é mais um triunfo da diretora.

O enredo traz Anne Hathaway como Jules Ostin, uma executiva de sucesso e com uma vida muito atribulada. Apesar de ter um negócio próspero e com alto crescimento, ela precisa encarar as pressões do dia a dia, profissionais e familiares. Ao ver a atriz nesse papel é impossível não pensar em O Diabo Veste Prada, quando vemos Hathaway como a sofrida assistente Andy. Agora ela está na posição de Miranda (Meryl Streep). No entanto, aqui ela personifica uma chefe que, mesmo difícil, consegue ser uma líder que compreende a fundo o negócio que criou e como resolver os problemas que a cercam com amor e tato – coisa que falta em Miranda!

Também fica clara a imagem de uma executiva moderna e os grandes desafios dos dias atuais – Jules tem suas peculiaridades que geralmente não se veem em uma executiva, o que torna mais interessante vê-la em tela. Para balancear a vida de Jules o filme traz uma questão interessante sobre o conflito de gerações na pele do sempre brilhante Robert De Niro, que interpreta Ben Whittaker. Quando a empresa de roupas da famosa executiva abre um programa para contratação de estagiários mais velhos (e experientes), o carismático e simpático Ben entra em cena. Ele procura um novo sentido para sua vida, e acaba se deparando com o desafio de ser um estagiário da terceira idade.

A história trabalha várias camadas dos personagens que lutam para se adaptar às circunstâncias. Ben encara a realidade de não pertencimento a sua vida na primeira cena do filme. Já Jules tem um negócio bem-sucedido, mas sente-se deslocada da família e até mesmo de sua empresa em alguns momentos. Assim que os dois se reúnem, todas as peças que não encaixavam em suas vidas passam a se conectar quase que organicamente. É aí que o talento dos protagonistas se revela, a química entre De Niro e Hathaway. É uma daquelas situações de improbabilidade em tela que você nunca imaginaria testemunhar, entretanto, a química de ambos revela o quão intrigante e competente é o trabalho.

Mesmo estando numa idade avançada, Ben transmite muito bem a empolgação de um homem que já viveu tudo o que tinha para viver, mas tem muito a oferecer. Ele tem uma aura de mistério, pois mostra cuidado e atenção em tudo que faz e é amado por todos, mas, ao mesmo tempo mantém certa distância, respeitando a individualidade de cada um e não cruzando a linha da intimidade. As relações no filme são bem desenvolvidas, a comédia é leve e apesar de ter momentos dramáticos é uma história que nunca vai deixar a pessoa triste.

O filme ensina diversas lições do mundo profissional, mas tem uma que é importante destacar. Se sentir deslocado em um ambiente de trabalho é uma situação que todos já viveram – o importante é saber o que fazer com esse sentimento. Sempre existe uma forma de cooperar, seja para tornar o escritório melhor ou se importar com um colega. Parece que não, mas essas coisas fazem diferença e a empatia está em falta no mercado profissional. Ben criava pequenas soluções quando não tinha nada para fazer e mesmo assim tornou-se indispensável para a empresa. Às vezes, a pessoa pode sentir que não é proativa, desafiadora ou agressiva o suficiente para determinado cargo – não é necessariamente o segredo para uma carreira de sucesso. Um dos grandes trunfos é fazer o que você faz de melhor, assim as pessoas vão notar seus esforços.

O filme também explora o relevante tema da luta das mulheres em papéis de liderança, problema que infelizmente teve pouco impacto até hoje. Inicialmente o conflito se mostra tímido e você quase não o percebe, mas a genialidade de Meyers insere essas questões sem você notar.

Sem entregar muitos spoilers do filme, precisa ser dito que a principal preocupação de Jules era aceitar imposições externas ou ter um comportamento mais corporativo, soluções que não tinham nada a ver com sua empresa. Ela nunca precisou mudar, apenas carecia de equilíbrio e uma influência sábia que a tranquilizasse nesses momentos caóticos. Ter alguém ao lado para ser autêntico e ficar a vontade para falar o que pensa é muito mais eficaz do que tentar consertar o que não está quebrado. Não há nada de errado em como Jules toma suas decisões, mas por ser mulher, ela se sente inadequada em quase tudo, porque as pessoas a fazem se sentir assim, exceto uma. No fim, todas as suas inseguranças estavam relacionadas a opiniões alheias, ao invés de suas próprias decisões.

Compartilhar
País: EUA
Idioma: Inglês

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *