Quando Wicked estreou na Broadway em outubro de 2003, o musical que conta a história da amizade improvável entre Elphaba, a Bruxa Má do Oeste e Glinda, a Bruxa Boa do Norte, antes e durante a estadia de Dorothy em Oz ao longo dos eventos de O Mágico de Oz de 1939, tornou-se um sucesso absoluto de bilheteria e construiu uma fã base leal de admiradores que se apaixonaram por aquele mundo e seus personagens. Logo, adaptar a obra para as telas tendo em vista o seu legado estava longe de ser uma tarefa fácil.
Como adaptar um musical de palco para o cinema sem descaracterizá-lo, mas também compreendendo que mudanças são necessárias para que a história funcione de forma devida em um outro tipo de mídia? A solução lógica é colocar essa responsabilidade nas mãos de um cineasta que possua visão e paixão de sobra para conseguir executar essa tarefa, respeitando o que veio antes a fim de entregar um resultado que ainda seja competente em trazer o fator da novidade para aquele material. E a Universal consegue atingir esse objetivo ao depositar confiança em Jon M. Chu para dirigir a adaptação cinematográfica de Wicked.
‘Robô Selvagem’ é uma animação com coração e uma concorrente à altura de ‘Divertidamente 2’ no Oscar 2025.
Conhecido por filmes como Podres de Ricos (Crazy Rich Asians) e Em um Bairro de Nova York (In The Heights), o diretor de 45 anos atinge um novo patamar de qualidade aqui. Através de um trabalho de câmera ágil e intrínseco, Chu dirige cada número musical com dinamismo e assertividade, usando de artifícios como coreografias sincronizadas e close-ups para soprar nova vida às canções que guiam a narrativa. Narrativa essa que, graças aos 160 minutos de duração do filme, tem tempo suficiente para desenvolver os personagens e explorar os temas da história – o subtexto político da obra sobre os perigos do fascismo, injustiça social e a manipulação das massas por parte de figuras em cargos de poder, por exemplo, continua extremamente relevante nos dias atuais e ganha ainda mais força quando traduzido para as telas.
O arco de inimigas transformadas em amigas de Elphaba (Cynthia Erivo) e Glinda (Ariana Grande) é outro ponto que é desenvolvido com mais nuances, com direito a uma sequência de dança envolvendo as duas personagens, que já figura entre as melhores cenas do ano. Momentos como esse nunca se tornam maçantes e estendem sua estadia além do necessário. Mas acredito que depois de assistir ao longa, muitas pessoas, assim como eu, gostariam de permanecer por mais tempo no mundo de Oz.
A produção de design do universo é carregada de uma beleza vibrante transcendente, repleta de cenários práticos ricos em detalhes e escala, que te colocam dentro daquele ambiente. O mesmo pode ser dito sobre o trabalho de figurino, recheado de texturas, cores e personalidade. Mas nenhuma das qualidades técnicas em torno da construção desse mundo seriam potencializadas se não fosse pela excelente equipe de atores que são capazes de trazer os habitantes de Oz para fora do papel. Todo o elenco de apoio, desde Jonathan Bailey como o carismático Príncipe Fiyero até Michelle Yeoh no papel de Madame Morrible ganham o seu momento para brilhar. Mas os destaques absolutos vão para as duas protagonistas e a química de ambas como parceiras de cena, tão inegável quanto as suas vozes.
Ariana Grande surpreende aqueles que estavam receosos em relação a sua escalação, entregando uma versão de Glinda que consegue ser histérica e energética na comédia, mas sensível nos momentos mais humanos da personagem, sempre prezando pelo equilíbrio e nunca se tornando uma caricatura unidimensional no processo. Já Cynthia Erivo, confere a Elphaba uma vulnerabilidade crua e uma autenticidade intensa que enriquecem o arco emocional da heroína que aborda questões como preconceito, discriminação e individualidade, e que finalmente ganham um momento de catarse no clímax do filme, quando Elphaba toma as amarras de seu próprio destino através de uma redenção emocionante de Defying Gravity. É um ultimato de resistência tanto em tom quanto mensagem e que encerra o filme com chave de ouro, construindo uma fundação potente para a segunda parte dessa história, que estreia em novembro de 2025.
Wicked é uma adaptação musical excelente, um triunfo dentro de um gênero que cada vez mais carece de obras como essa e que consegue divertir, cativar e emocionar os seus espectadores ao convidá-los a experienciar uma Oz que transborda em sentimento, trazendo consigo um forte lembrete de que ninguém deve ser obrigado a viver a vida dentro dos limites da percepção do próximo. Elphaba está certa, todos nós merecemos ter a chance de voar.