Crítica de série

Crítica | O perigo da ideia na quarta e última temporada de 3%

Publicado 4 anos atrás

Foi difícil assistir à última temporada de 3%, série brasileira da Netflix que, há quatro anos, vem fazendo sucesso não só aqui, mas também internacionalmente. A trama em que acompanhamos os jovens de vinte anos de idade lutando pela oportunidade de uma vida melhor através de um pesado processo de seleção que, supostamente, servia para selecionar os 3% que formariam a elite de merecedores, foi dura desde o início. Porém, assistir à conclusão, foi mais duro ainda. E pensar que tudo aconteceu por causa de uma ideia.

A última parte do seriado começa quando Michele (Bianca Comparato, em ótimo forma física), percebendo que não haveria possibilidade de uma convivência pacífica entre a Concha e o Maralto, elabora um plano mirabolante junto com seus fiéis escudeiros Joana (Vaneza Oliveira), Rafael (Rodolfo Miranda), Marco (Rafael Lozano), Xavier (Fernando Rubro), Elisa (Thais Lago), Natália (Amanda Magalhães) e Glória (Cyntia Senek). Eles iriam estourar um pulso eletromagnético no centro do território inimigo, acabando com Maralto de uma vez por todas.

3% grupo

Dessa forma, se 3%, em sua história fictícia sempre retratou nossa triste realidade – a eterna luta entre uma elite minoritária e a maioria desprivilegiada -, dessa vez, seu reflexo da verdade é mais nítido do que nunca – vimos como uma simples ideia, deturpada pela nossa falibilidade intrínseca, pode fazer ruir uma sociedade inteira. E o motivo é um só: a ideia não morre, ela pode permanecer para sempre, como bem lembrado pelo belo roteiro da série.

Assim, em 3%, essa ideia era o Processo. Vivia-se e morria-se por ele e até mesmo os integrantes da extinta Causa tinham nele seu propósito, na forma de sua destruição. No último século, cada pessoa que nascia via nos maraltenses (aqueles que passavam no Processo) deuses que viviam em um paraíso e, por isso, seu único desígnio de vida era se tornar um deles. Mas não era bem assim. Na verdade, não era nem um pouco assim.

Vimos através de flashbacks muito bem colocados como o próprio casal fundador e criador do Processo se arrependeu dele, percebendo sua injustiça, mas Laís (Fernanda Vasconcellos) e Elano (Sílvio Guindane) não conseguiram dizer isso à sociedade. Eles morreram antes, mas a ideia permaneceu. Porque a ideia não morre, as pessoas sim.

E como foi forte e interessante ver as máscaras caindo e as ilusões se desfazendo. André (Bruno Fagundes) e Marcela (Laila Garin) cansaram de se fazer de bonzinhos e mostraram quem realmente eram: o primeiro um insano que realmente se achava um ser humano excepcional abençoado pelo casal fundador, e a segunda, uma tirana que sempre que está perto da expiação, regride um passo. Já Joana e Rafael viveram para descobrir o quão falho e amador foi o plano que bolaram e que destruir o Maralto nunca foi solução. Junto com tudo que havia de ruim no paraíso, eles também acabaram com tudo o que havia de bom, a única esperança de um povo descrente.

Mas mesmo assim, o criador Pedro Aguilera, longe de querer nos dar respostas para uma questão que nós mesmos, na vida real, ainda não descobrimos, soube dar o fim perfeito para sua trama, aproveitando o que ela teve de melhor, o que a tornou um sucesso e prendeu a audiência na frente da TV: as provas do Processo.

Foi dessa maneira que a prova derradeira que juntou os protagonistas numa última disputa sensacional pelo governo de um mundo agora totalmente pobre e arruinado, foi o ápice de uma obra da qual nós, brasileiros, podemos sentir orgulho, não só pelo conteúdo, mas também pela qualidade técnica. O que André Mehmari e o Submarino Fantástico fizeram com a trilha sonora foi de extremo bom gosto e a fotografia predominantemente amarela, não retratava somente o ambiente árido e desertificado do Continente, mas também um aspecto a que essa cor está muito ligada: a juventude.

E 3% tem muito a ver com juventude, porque é na mocidade que a ideia deve ser plantada para surtir efeito, mas é também nela que reside a força para gerar qualquer mudança. No final, sempre há um fio de esperança.

Foi difícil assistir à esta última temporada, mas valeu muito à pena.

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3% Poster

País: Brasil

Idioma: Português

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