Chega ao fim a maior série de todos os tempos. Poderia ter sido melhor?
Os roteiristas D. B. Weiss e David Benioff, os famosos D & D, talvez sejam hoje, logo após ir ao ar The Iron Throne, o último episódio de Game of Thrones, as pessoas mais comentadas no mundo inteiro. E alguns desses comentários são bons, mas a maioria é de enxovalho mesmo, de desabafo de fãs indignados que esperavam um “final melhor” para a maior série de todos os tempos. Mas será que foi tão ruim assim?
É de conhecimento geral que, a partir da quinta temporada, D & D tiveram que seguir carreira solo no desenvolvimento da história, uma vez que George R. R. Martin, autor dos livros base do seriado, até hoje não publicou a continuação das suas Crônicas de Gelo e Fogo e há muito se afastou dos roteiros também. O gênio os abandonou, deixou-os sozinhos com uma ideia do que seria o desfecho e uma responsabilidade gigantesca nas mãos. Responsabilidade sim, porque (socorro!), querendo ou não, eles tiveram que escrever uma continuação de Game of Thrones e isso não é para qualquer um não.
O que realmente aconteceu
Vejam bem, Martin é um autor totalmente inescrupuloso e faz o que bem entende com seus personagens não se importando nem um pouco com o amor do público por alguns deles! Ora, na verdade ele não se importa nem com o seu próprio amor por eles. Martin desfigura e mata sem dó nem piedade. Querem exemplo melhor do que Then Greyjoy, mutilado e desfigurado por Ramsey Bolton (se vocês ficaram chocados na série, não queiram nem saber o que acontece com ele no livro…)? Ou de Jaime Lannister, que sendo um dos homens mais bonitos de toda Westeros tem sua mão decepada? Pelo amor de Deus, ele matou Ned Stark, seu protagonista no primeiro livro! Lembram-se do Casamento Vermelho?
E eis que no final de A Dança dos Dragões, quinto livro da saga, D & D se deparam com uma das piores notícias de todas, parecia até uma pegadinha de Martin: Jon Snow, um dos personagens mais queridos de todos os fãs, estava morto e não havia dúvidas sobre isso. Os roteiristas, tinham, à época, cinco anos de seriado, um baita de um sucesso internacional avassalador e não havia mais livros, não havia mais base, Martin não tinha mais nada muito concreto para eles.
O que poderia ter acontecido
Estava mais do que claro para Weiss e Benioff que, sem algum enredo sólido que fizesse superar a ausência de Jon Snow, como aconteceu com Ned Stark, mais da metade do seu público os abandonaria também, a audiência cairia drasticamente, os patrocinadores poderiam desistir de tudo e a HBO era capaz de cancelar o seriado. Seriam anos e milhões e milhões de dólares jogados fora. Seria o desfecho mais trágico de todos. O que fazer? A solução foi ressuscitar Jon. Ainda não há como saber se esse seria mesmo o destino do personagem nos livros, mas foi a maneira de se salvar o seriado naquele momento.
Claro que, a partir daí, sem a genialidade ímpar de Martin, D & D tiveram que se virar e, sem brincadeira, fizeram milagre ao continuar uma história tão rica e complexa dessas. Houve falhas sim, não há dúvida disso, e o desapontamento da maioria dos fãs e dos próprios atores é completamente compreensível. Mas há que se entender que esses mesmos fãs que reclamam do final (ou pelo menos a maioria deles) teria abandonado a série, condenando-a ao cancelamento, caso os roteiristas tivessem seguido a linha inescrupulosa de Martin lá no final da quinta temporada.
Algumas coisas poderiam ter sido melhores sim, claro (afinal, estamos falando de Game of Thrones), muito da trama foi ignorado e deixou a desejar, os episódios foram poucos – é muito dinheiro envolvido – mas tudo seguiu perfeitamente o caminho que se propôs e que desembocou no desfecho do último domingo (19). Houve coerência e consistência.
Daenerys
Dany, uma das personagens mais ricas de toda a história, seguiu seu arco de maneira impecável. Ela dava sinais de sua loucura e de sua tirania ao longo de todo o enredo, mas concordo que de rainha razoavelmente sensata e justa, que dava ouvido a seus conselheiros, a rainha louca, foi tudo muito rápido.
Tendo seguido esse caminho, no entanto, não poderia haver outro desfecho que não a sua morte. E ela morreu de uma forma que não poderia ter sido melhor! Tendo ao seu lado a arma mais letal do mundo, Drogon, o dragão, Dany era praticamente intocável. Sendo assim, somente uma pessoa próxima a ela poderia assassiná-la. Teria sido legal sim que Arya tivesse adicionado o nome da Rainha dos Dragões a sua famosa lista e executado a garota prateada. Mas ter sido Jon, e da maneira que foi, foi bom demais.
Ora, já que Dany não tinha mais salvação e estava doidinha de pedra como o pai, achando que era a salvadora do mundo, por que não deixar que a pessoa que mais a amava desse um fim em tudo? Ela merecia isso, por tudo o que viveu e sofreu, por tudo o que ela representou na história. Ter morrido nos braços do homem que ela amava foi uma homenagem bem prestada.
Claro que poderia ter ficado mais claro também que Drogon levou o corpo da garota para Valíria, para a terra mágica de seus ancestrais, e por lá ficou. Mas gosto de pensar que foi isso que aconteceu!
A destruição do trono de ferro
A cena em que Drogon destrói o maior símbolo de poder dos Targaryen foi talvez a mais icônica de todo o episódio. O Trono de Ferro foi forjado com o fogo de Balerion, o Terror Negro, que era o dragão de Aegon, o Conquistador. Era feito com as espadas dos milhares de combatentes que ousaram desafiar Aegon quando ele quis subjugar os sete reinos independentes sob apenas uma coroa – a sua -, dando início a uma nova era em Westeros. No final, foi destruído pelo último dragão do mundo, dando fim a esta mesma era.
Bran, o Quebrado
Estava faltando uma justificativa pelo menos razoável ao fato de que Bran, o personagem mais poderoso de todos, estivesse sendo tão ignorado, tão pacífico, tão sem ação desde que virou o Corvo de Três Olhos. E essa justificativa finalmente apareceu: ele estava esperando para se tornar o novo rei… dos seis reinos.
É muito necessário que se entenda que Game of Thrones sempre foi sobre política, fornicação e bobagem. As guerras, batalhas, mortes e tudo mais – o que chamamos de ação -, é somente consequência disso.
Ora, a coisa toda começou porque lá no começo Jon Arryn descobriu que Cersei e Jaime eram muito mais do que irmãos! Ele foi morto por causa disso e então Robert viajou para Winterfell para convocar Ned como sua nova Mão do Rei e o resto vocês conhecem.
Imaginem também o que teria acontecido lá no início se Robert tivesse tido sucesso em sua trama de assassinar Daenerys? Ela não teria se casado com Drogo, não teria virado Khaleesi, os dragões não teriam nascido e o mortos teriam vencido a guerra contra os vivos. Simples assim.
E a reunião dos lordes do Westeros em Porto Real em que Bran foi escolhido como rei – e em que vimos o retorno de alguns personagens, como Edmure Tully e Robert Arryn -, foi política. Boa política. Foi escolhido um rei com conhecimento total do mundo (Bran era o Corvo de Três Olhos, afinal, a memória do mundo). Um rei sábio.
Bran não fez objeção quando Sansa impôs a separação do Norte dos Sete Reinos, ou outra guerra, dessa vez contra sua própria irmã, seria iminente. Foi tão diferente de Aegon, o Conquistador, que sofreu muito tentando subjugar Dorne no passado. E embora tenha impedido que Jon fosse executado, Bran permitiu que ele, mesmo sendo seu irmão, fosse banido.
Finalmente, ninguém mencionou o direito de Jon à coroa, o assunto sobre sua verdadeira identidade nem foi colocado em pauta. Tudo foi em nome da paz. Vejam bem, como seria colocar um regicida Targaryen que nem mesmo queria ser rei para governar? Afinal, Jon era um Targaryen, o trono construído por seu antepassado acabara de ser destruído e uma nova era estava começando. Era preciso alguém novo, alguém cujo sangue não lembrasse o passado – tanto o passado antigo quanto o passado recente.
Conclusão
E no final, tudo parecia estar em paz afinal. O Pequeno Conselho se reuniu novamente, um Conselho que finalmente parecia ser composto de pessoas de bem e em seus papéis corretos: Tyrion como Mão do Rei, um cargo que ele demonstrou ser mais do que competente para assumir; Sam como Grande Meistre, coisa que ele tinha nascido para ser; Davos como Mestre dos Navios – ele era um contrabandista e entendia de navios, não é mesmo?; Bronn como Mestre das Moedas – quem melhor para o cargo do que um mercenário?; e Brienne como Senhora Comandante da Guarda Real.
No Norte, Sansa, que das personagens foi a que mais se transformou, foi proclamada rainha. Quem melhor do que ela para assumir a posição? E Arya, incrível como sempre, foi viver suas aventuras, como sempre quis fazer. Ela também, mais do que ninguém, conquistou esse direito.
Tiveram até mesmo alguns momentos engraçados, como quando Sansa faz chacota de seu tio, Edmure!
Tudo coerente, tudo devidamente correto e dentro do caminho que foi proposto, mesmo que tenha sido diferente do que imaginamos, mesmo que tenha sido diverso do que George R. R. Martin imaginou, mesmo que tenha sido decepcionante.
E será que realmente importa o final? Como Tyrion mesmo disse, nada é mais poderoso do que uma boa história… E quem pode negar a magnitude dessa história e as proporções que ela tomou? Foi algo sem precedentes, foi algo grandioso, foi algo épico. O que realmente importa não é onde se chega, mas o caminho que se trilha. E o caminho de Game of Thrones foi lindo.
Quem venham os spin-offs. Valar morghulis.