Quando vi pela primeira vez o anúncio da nova série da Netflix, Cursed – A Lenda do Lago (Cursed), fiquei mais do que entusiasmada! A lenda do Rei Artur e sua famosa espada, Excalibur, que habitam nossas mentes há gerações e já ganhou inúmeras versões (boas e ruins) – tanto na literatura como na TV e nas telonas -, é extremamente instigante, ainda mais para os fãs de fantasia, vez que envolve magia, seres feéricos, romance, guerras e rivalidades.
Foi em razão dessa empolgação, causada pelo misticismo que cerca o começo da Idade Média – época em que, teoricamente, Artur teria vivido – e alimentada pelo trailer e teasers divulgados pela Netflix, mais o forte elenco envolvido (que contempla Katherine Langford, a Hanna Baker de 13 Reasons Why, e Gustaf Skarsgård, o Floki de Vikings), é que afirmo que Cursed nasceu num belo de um alvorecer.
E foi assim, nesse clima, que finalmente chegou o dia da estreia, com as expectativas no mais alto nível de vibração. Infelizmente (e digo infelizmente no maior sentido da palavra!), elas não foram confirmadas. Já no primeiro episódio a série já dava sinais de que não seria nada demais. E não foi.
Desde o começo, fica claro que Cursed seria totalmente diferente das versões mais conhecidas, com o protagonismo da história sendo dado a Nimue (Langford) – umas das personagens mais interessantes e mais instigantes da lenda de Artur – em detrimento do próprio Artur. Mas o problema não está aí, e sim no roteiro que, mesmo simples, não consegue cativar, deixando a história se arrastar por longos dez episódios de quase sessenta minutos de duração.
Vejamos então. Nessa variante da Netflix, Nimue é uma garota férrica do Povo do Céu (como é chamada a sua espécie, mais parecida com os humanos) que tem uma forte relação com os Ocultos (seres místicos das florestas). Quando os terríveis Paladinos Vermelhos, liderados pelo implacável padre Carden (Peter Mullan, o James Delos de Westworld) ataca sua vila no melhor estilo Inquisição de ser, ela recebe a Excalibur das mãos de sua própria mãe, a sacerdotisa Lenore (Catherine Walker), junto com a missão de entregar a espada para o mago Merlin (Skarsgård). E onde entra Artur (Devon Terrell) nessa história? Ele é somente um par romântico para nossa protagonista, um homem que passa a viver à sombra dela e pronto.
Percebe-se em toda a trama aliás, a força que se quis dar ao feminino. Todas elas lideram e todas elas – Nimue, Morgana (Shalon Brune-Franklin), Red Spear (Bella Dayne) e outras – subjugam os homens de uma forma ou de outra, mas isso tampouco é o problema. Se o roteiro tivesse sido eficiente, talvez essa importante iniciativa tivesse surtido melhor efeito. Ao contrário, tentaram transformar Nimue em uma espécie de Daenerys (Game of Thrones) e falharam lindamente. Nem o talento de Langford conseguiu dar mais personalidade à sua personagem, que se alterna de uma garota traumatizada com o bullying que sofreu e uma líder nata confiante. Isso pode ser facilmente ilustrada pela maneira como ela segura Excalibur. No começo, quando ela enfrenta uma terrível matilha de lobos de CGI, Nimue precisa das duas mãos para manusear a pesada espada. Mas no final, elas já a segura facilmente com uma mão apenas, sendo que nada nos foi explicado sobre se o poder da espada também provia mais força física.
Já Skarsgård é o ponto forte da série. Seu Merlin é uma versão bem mais jovem e vigorosa do famoso mago – geralmente representado como um senhor de seus noventa anos de idade, de barba branca e comprida -, e é ele quem protagoniza as melhores cenas, conseguindo arrancar algumas risadas, principalmente quando faz troça do patético rei Uther Pendragon (Sebastian Armesto).
Por outro lado, interessante notar também que a série prefere esconder a verdadeira identidade de importantes personagens atrás de apelidos, como o de Percival, que aqui é chamado de Esquilo. Isso, todavia, não teria sido problema se, mais um vez, o roteiro tivesse sido melhor pensado e desse pistas que nos levasse a adivinhar seus nomes verdadeiros. Mas a essência dos personagens que conhecemos está tão mal construída, que a tarefa fica muito difícil, para não dizer impossível. Quem aí adivinhou quem é o Monge Choroso? Os foresadows de Cursed também não funcionaram.
Em contrapartida, a fotografia do seriado é bem bonita, com belas paisagens externas (notadamente de florestas, cachoeiras e castelos) e cores que dão a sensação certa da época que se propôs a representar, qual seja, o início da Idades das Trevas. Mesmo assim, o cenário às vezes parece um pouco artificial na tela, puxando para algo mais teatral. O mesmo pode se dizer dos figurinos e da maquiagem, muito bonitos e apropriados, mas aqueles chifres falsos dos feéricos não convencem ninguém.
Por tudo isso, é uma pena que a série não tenha entregado o que prometeu e que não tenhamos visto outra história magnífica como The Witcher. E assim, Cursed morreu no crepúsculo.
Algumas curiosidades em comparação com as outras versões
A melhor versão da história do Rei Artur (ou pelo menos ela é assim considerada), é a saga de Bernard Cornwell, que começa com o livro O Rei do Inverno – de onde provavelmente surgiu o título que Artur (Devon Terrell) deu para Nimue (Langford) em sua canção, na primeira cena em que aparece: rainha do inverno.
Nessa versão, Artur também não é rei, mas o filho bastardo do soberano Uthred Pendragon, e um dos maiores guerreiros ingleses. Ele se apaixona a primeira vista por Guinevere (que na série não é representada, nem mesmo pelo outro nome por que é conhecida Gwenhwyfar) e não por Nimue que, na verdade, é amante de Merlin (e não sua filha) e depois de Derfel (pronuncia-se Dervel, também ignorado pela série). Morgana permanece como irmã de Artur, mas ela é mais velha que ele.
Já na variante de Marion Zimmer Bradley, As Brumas de Avalon, uma versão mais romantizada da história (e a minha preferida!), Morgana é somente meia irmã de Artur, filha do primeiro casamento de sua mãe, Igraine, antes de ela se tornar rainha de Uthred. Ela também é aprendiz de Vivien, ou Nimue, nas artes ocultas.
