No livro Profanos: histórias de terror e mistério, escrito pelo goiano Orlando Rodrigues, o horror não está em seres sobrenaturais como vampiros, lobisomens, demônios, anjos e bruxas. Todas as situações perversas e ameaçadoras são causadas por humanos, por pessoas comuns que talvez não parecessem capazes de tanta perversidade.
Por meio de oito contos de suspense psicológico, o autor lança um olhar para o terror que está nos casos recorrentes do dia a dia, estampados nas manchetes nos jornais. Relações abusivas, feminicídio, assassinatos em série e problemas psicológicos estão entre as problemáticas expostas. “O livro não é meramente fantasioso. Ele aborda temas muito reais do nosso cotidiano”, explica o escritor.
Em entrevista exclusiva a O Cinema é, Orlando analisa o fascínio do público pelo true crime, seu sucesso na literatura e no cinema, além do que o motivou a seguir nessa linha de gênero.
Aproveitando o surto de obras baseadas em true crime, na sua opinião, qual o principal fator que atrai a massa de público para esse tema?
Bastante interessante essa pergunta. Há um ditado no mundo artístico que diz “a vida imita a arte”. Se a gente considerar que a vida, muitas das vezes, não é tão bela, colorida, exuberante, fantasiosa e de final sempre feliz, o público, obviamente, nem todos, parece buscar algo na arte que imite a vida. E o público que busca isso, um nicho muito específico, na verdade, deseja ver estampado em telas ou qualquer outro tipo de manifestação artística, algo que, de fato, represente a sua realidade, a realidade de seu bairro, de sua cidade, de seu país, e porque não dizer, de sua própria família.
Sempre ouvimos histórias polêmicas ao redor de filmes icônicos de terror e esses boatos sempre aumentaram os ganhos na bilheteria. Na sua opinião, porque as pessoas, apesar de saberem que se trata de uma obra fictícia, se interessam ainda mais por histórias que tem um pé na realidade?
Basicamente é o que eu disse anteriormente. Filmes com monstrinhos, criaturas horrendas e nojentas são representações caricatas da maldade existente na sociedade. Quando se mostra isso na pele de pessoas normais, gente comum, em minha opinião há um outro encontro de perspectivas sobre o mal que habita no íntimo de cada um de nós.
Com suas palavras, qual a relação de assistir uma obra baseada em true crime com aquela “olhadinha” que as pessoas dão quando passam ao lado de um acidente grave na estrada.
Excelente pergunta. Talvez, em minha opinião, seria uma forma de alimentar nossos demônios interiores.
Hoje em dia, vivemos uma fase ímpar, nunca existiram tantas obras baseadas em true crime ao mesmo tempo. As plataformas de streaming estão repletas de obras como essa. Na sua opinião, como autor atuante nesse nicho de narrativa, a que se deve esse fenômeno? Quais fatores históricos tem impulsionado essa demanda?
Eu entendo que a sociedade com um todo está num processo de transição, aquela coisa derivada das mudanças seculares ou milenares, onde, embora ainda existam exceções, as sociedades patriarcais, autocráticas, machistas, sexistas, tem dado lugar a um modelo mais tolerante à diversidade e através da arte, no meu caso, a literatura, é possível denunciar os modos de comportamento que ainda carregam máculas de modelos sociais antiquados.
Agora partindo de sua trajetória artística, qual de suas obras (ou, no caso de várias, a principal) você gostaria que fosse adaptada para o audiovisual? Explique a razão dessa escolha.
Essa pergunta se remete a meu principal sonho de consumo que é ver um texto meu transformado em um produto áudio visual. Desde meu primeiro romance O fio da meada: uma fronteira entre o bem e o mal que está se transformando numa trilogia, eu sempre escrevo como se estivesse vendo a história num filme. Eu tenho projetos na ANCINE para transformar alguns de meus livros em minissérie, um deles é O fio da meada e o outro Profanos: histórias de terror e mistério e ficaria muito feliz se algum produtor de áudio visual se interessar em fazer uma parceria nesse sentido.
Toda fase tem um estouro, acúmulo de clichês (saturação) e sátiras. Na sua opinião, em qual fase as obras de true crime se encontram no momento?
Os gêneros de suspense catastróficos tiveram seu auge na década de 1970, os de serial killer, entre os anos 80 e 90 e agora as produções true crime que eu entendo estão no seu momento de ascensão.
Qual o futuro das obras de true crime nos próximos anos?
Acho que vai depender bastante de um elemento muito crucial para a sociedade, principalmente, a brasileira, que é censura x liberdade de expressão. Estamos vivendo um período melindroso. Já vivemos censura e espero que a CENSURA NUNCA MAIS prevaleça no país e no mundo, para que a arte possa retratar o que é, de fato, o mundo que vivemos, nudo e crudele, a menos que sejamos mais amorosos uns com os outros e as produções artísticas mostrem a realidade de modo colorido, mas com menos tons de vermelho sangue.
Partindo novamente de sua trajetória, o que te motivou no início a escrever sobre esse tema?
A motivação é sem dúvida os fatos da vida real e em minha cidade e meu estado, a toda semana, surgem notícias de crimes bárbaros envolvendo feminicídio, racismo e pedofilia. Eu sempre digo que o terror da ficção é fantasioso. O da vida real que é assombroso.
Quais aspectos da psique humana mais te atraem como artista/autor?
Sem dúvida são as contradições. Há autoridades religiosas e eclesiásticas praticando crimes, há políticos e policiais praticando crimes, assim como médicos, advogados, professores, pais e filhos.
Para finalizar, o que você diria para novos autores que desejam escrever obras do nicho de histórias baseadas (ou inspiradas) em true crime?
Permita-se! Para ser sincero, as vezes sinto medo com as coisas que escrevo, pois elas se baseiam em fatos muito cruéis, principalmente os casos de abuso infantil e feminicídio. A todo momento eu preciso me autorizar a escrever.
Sobre o autor
O goiano Orlando Rodrigues escreveu vários livros de terror e suspense, sendo “Profanos: histórias de terror e mistério” sua publicação mais recente. Além deste título, possui no currículo obras como “Não me deixe aqui”, “Terror: ao sair, não apague a luz” e “O fio da meada: uma fronteira entre o bem e o mal”. Sua carreira na literatura ocorre concomitantemente ao trabalho no ramo empresarial. O autor também é administrador com foco em recursos humanos, mestre em Ciências da Educação, professor e consultor organizacional.