Dentre as críticas à plataforma de streaming Prime Video, a principal talvez seja a desorganização de seu catálogo e seu péssimo mecanismo de busca. Não é incomum descobrir que um filme que você está louco pra assistir encontrava-se disponível no streaming da Amazon, mas pela péssima apresentação de títulos, e com um algoritmo (no mínimo) questionável, muitos filmes acabam ficando perdidos no meio do caos.
Um excelente exemplo disso é Dragged Across Concrete, que veio pro Brasil com o genérico título: Justiça Brutal; depois de estrear no festival de Veneza de 2018. Imagino que a soma desse nome abstrato com a péssima distribuição de conteúdo do Prime Video tenham gerado como resultado essa obra pouco comentada; mas o fato é que o longa escrito e dirigido por um dos realizadores mais promissores de Hollywood, S. Craig Zahler, merece sua atenção.
O veterano policial Brett Ridgeman (Mel Gibson) e seu parceiro mais jovem, Anthony Lurasetti (Vince Vaughn), são suspensos quando um vídeo de suas táticas de trabalho brutais vira notícia. Sem dinheiro e sem opções, eles decidem entrar para o mundo do crime.
Esta é a sinopse oficial do filme, mas não se engane, trata-se de um longa bem mais especial do que parece.
Falando da direção, gosto de como o Zahler assume desde o primeiro frame a artificialidade estética que o filme propõe; cada cena é iluminada com cores distintas, as locações tem um tom sombrio e cru – aqui não se busca uma representação naturalista do mundo, mas uma diegese cuidadosamente construída para criar um efeito neomaneirista.
Uma descoberta muito legal que fiz ao pesquisar para essa crítica é que o diretor já foi desenhista de quadrinhos e, e meus amigos, como isso fez sentido! Assista a esse filme com essa informação em mente, e perceba como ele enquadra (e colore) os planos desse filme – é basicamente nona arte em movimento.
Zhaler consegue construir com sucesso uma sensação de macrocosmo, parece que o universo dos personagens funciona por si próprio, e a câmera é mera testemunha dos acontecimentos – e dos silêncios ensurdecedores. Ele faz a ousada escolha de mostrar parte da história de cada um dos personagens, por isso a longa duração: não é um filme apressado, ele constrói seus protagonistas, seus antagonistas, até mesmo alguns coadjuvantes em tela.
Outro ponto que é importante de ser mencionado é a presença marcante do gore. Se você é sensível à violência explícita, sangue, desmembramentos e coisas do gênero, talvez Justiça Brutal não seja pra você. Precisamos deixar claro que isso não é uma escolha gratuita, mas uma inclinação estilística. Em outros filmes do diretor, especialmente Confronto no Pavilhão 99, essa violência é levada ao extremo, faz parte da personalidade expressiva dos longas de S. Craig, e seria injusto critica-lo por isso: é uma violência que impressiona, mas que funciona.
Se eu já tinha amado Bone Tomahawk (Rastro de Maldade) e Brawl in Cell Block 99 (Confronto no Pavilhão 99), agora o S. Craig Zahler entrou oficialmente no meu radar. Dê essa chance ao filme aqui criticado, para o bem ou pro mal, trata-se de uma obra cinematográfica marcante.