Couro de Gato (1962) é um dos meus curtas-metragens preferidos. Aliás, é dirigido por um dos diretores brasileiros que mais acabei me aproximando durante os primeiros anos da faculdade, Joaquim Pedro de Andrade, que sempre terá um lugar especial na minha memória e formação.
O curta compõe o excelente Cinco Vezes Favela (1962), com cinco histórias orquestradas por cinco diretores diferentes, Marcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues e Leon Hirszman, além, é claro, de Joaquim Pedro de Andrade.
Couro de Gato, que segundo a lista da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) é o quinto melhor curta da história do cinema brasileiro, acaba hoje sendo o mais lembrado.
O trabalho é interessante por ser uma obra do Cinema Novo, mas antes que o movimento se voltasse com mais força para o sertão. Se tivemos Rio, 40 Graus (Nelson Pereira dos Santos, 1955), filme urbano, como um progenitor discreto do movimento, o sucesso com a crítica internacional viria apenas quando filmes feitos no e sobre o nordeste brasileiro foram lançados: Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), Os Fuzis (Ruy Guerra, 1964) e Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964).
Cinco Vezes Favela, um filme com cara de movimento, integrando vários nomes que se ajudavam, se torna marcante por ser anterior à essa guinada do nordeste (só a título de informação, Aruanda (Linduarte Noronha, 1960) é o primeiro filme a despertar essa vontade de criar um cinema brasileiro focado no sertão – e é anterior a ele).
Porém, esse foco de produção só é iniciado de fato com Barravento (1962) de Glauber Rocha, ou seja, no mesmo ano em que é lançada a antologia da favela, já mencionada.
Couro de Gato tem início com uma música brasileira, mas mais que isso, um plano brasileiro: em segundo plano a elite, com os prédios de frente pro mar paradisíaco; em primeiro plano, um jovem menino, que trabalha (bem mais cedo que devia) na favela pra sustentar a si e a família, capturando gatos para vender para artesãos de tambores, que são feitos com couro desses animais.
A temática remete diretamente ao filme de Nelson Pereira dos Santos: garotos de favela tentando sobreviver e trabalhando para isso, o que por si só já revela um cinema disruptivo, indo completamente contra o que se fazia antes, ou seja, as Chanchadas da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que tentavam vender a imagem de um Brasil irreal, escondendo o que o Cinema Novo viria a evidenciar.
No fim, Couro de Gato é um filme sobre um lugar. Se comecei falando sobre o primeiro plano, acho justo terminar falando sobre o último. Depois de entregar o gato ainda vivo ao artesão, o menino, chorando, desce o morro e sai do plano – e ficamos por alguns segundos com os grandes prédios cariocas tomando a imagem, antes do fade-to black.
Aqui já fica claro o discurso. Enquanto o menino está passando por isso, outros estão brincando por aí. Ele não é menos merecedor, nem se “esforçou menos” ou qualquer baboseira do gênero. Ele simplesmente nasceu na favela e não nos grandes prédios em frente a onde ele mora.