Claire Beauchamp nasceu na Inglaterra em 1918 e, aos 27 anos, durante a segunda lua de mel com seu marido, Frank Randall, nas Terras Altas da Escócia, fez uma inesperada viagem no tempo, como os apreciadores de Outlander (seja do livro de Diana Galbadon ou da série baseada nele) bem sabem. Mas alguém já parou para pensar no estranho anacronismo da data de nascimento da personagem, que parece ter vivido as quase três primeiras décadas de sua vida fora de seu tempo? Sim. Tudo o que aconteceu com Claire – desde a morte de seus pais, sua criação pelo tio arqueólogo, até o momento em que ela põe as mãos em um dos monólitos de Craigh na Dun -, parece tê-la preparado para voltar para seu verdadeiro lugar/tempo: o século XVIII.
Sendo assim, que mulher acostumada aos confortos, tecnologias e modo de vida do inigualável século XX se adaptaria tão bem à sociedade de duzentos anos antes de sua realidade? Ora, ignorando o fato de que ela foi forçada pelas circunstâncias e o próprio instinto de sobrevivência, essa mulher só poderia ter um nome: Claire Beauchamp.
Órfã aos cinco anos de idade, Claire se viu sob a guarda de seu único parente vivo, tio Lamb, irmão de seu pai, um arqueólogo sem residência fixa que vivia como um nômade em suas pesquisas pelos sítios arqueológicos dos quatro cantos do mundo. Homem inteligente e gentil, tio Lamb não tinha qualquer experiência na criação de filhos e, sem querer, preparou a sobrinha para sua inevitável jornada de volta ao tempo a que realmente pertencia. Ensinou-a a ler em rascunhos de artigos científicos e a fazer dezenas de outras coisas inadequadas para uma jovem bem-nascida, fato que explica muito bem o caráter autêntico, a língua meio suja e a desenvoltura para lidar com as situações que caracterizam nossa protagonista.
Ainda, como se isso não bastasse, já crescida, Claire foi se apaixonar justamente por um historiador aficcionado pelos acontecimentos do século XVIII. E foi assim que da proteção do velho tio Lamb para os braços de Frank Randall, dos sítios arqueológicos para os Congressos de História, ela continuou sua preparação para alcançar o destino que lhe aguardava. Agora faltava apenas uma coisa para que ela estivesse realmente pronta para enfrentar a vida dura que a esperava em meados dos anos 1700: uma guerra. E ela veio, em 1939, quando, convocada para servir a Inglaterra, Claire foi mandada para o treinamento de enfermeiras. Foi o que bastou para que ela visse de tudo: desde a morte violenta até as tentações carnais elevadas ao nível máximo, oriundas de homens e mulheres levando a vida separados de seus companheiros.
Pressão, dor, sofrimento, separação. Tudo isso ela conheceu muito antes de sua viagem e, quando ela de repente aterrissou em uma época diferente, não encontrou praticamente nenhuma dificuldade em se adaptar. Claire conhecia a História, era protegida contra doenças (porque havia tomado vacinas), sabia cuidar de ferimentos, conseguia lidar com lugares inóspitos, acampamentos, fogueiras e tudo isso com a vantagem de um conhecimento mais evoluído adquirido em tempos futuros (ou serão passados?, eis a eterna questão de Outlander). Fosse qualquer outra pessoa no lugar dessa mulher, não teria sobrevivido à primeira hora naquele lugar desconhecido. Basta lembrar que poucos minutos depois de acordar em um século diferente,o primeiro sujeito que nossa heroína encontra é o antepassado de seu marido, Black Jack Randall, que infelizmente, mas não surpreendentemente, havia entrado para os anais da História como um soldado honrado e condecorado. Quanta hipocrisia quando pensamos que esse homem supostamente tão cheio de qualidades, tentou estuprá-la, e teria conseguido, não fosse Murtagh ter chegado na hora para salvá-la.
E Claire seguiu sobrevivendo, bravamente, às vezes precariamente, mas sempre com sucesso. À despeito de tudo isso, no entanto, a prova mais convincente do lugar de pertencimento da moça é Jaime Fraser, o belo e irresistível Jaime, seu segundo marido. Através da viagem que Claire empreendeu, o destino parece ter consertado um erro grave que cometeu ao separar amantes como eles com uma barreira (aparentemente) tão definitiva como o tempo. E uma relação assim é coisa rara de se ver. Porém, Jaime não foi só seu parceiro, ele representou sua tábua de salvação, seu porto-seguro, sua referência e ajudou-a a entender sua própria identidade. Mesmo insistindo em usar a aliança de Frank na mão esquerda, seu único elo com outra época, Claire sabia que tinha encontrado seu lugar. Seu nome não era Randall, era Fraser. Sua data de nascimento não importava, porque ela era uma viajante do tempo.
Por isso é que, de todas as características notáveis que podem ser encontradas em uma pessoa, pode-se dizer que Claire possuía muitas, mas Gabaldon resolveu lhe dar a mais inusitada de todas. Ela é uma mulher anacrônica.