É muito provável que você, leitor , já tenha vivido algum amor que, por sua vez, não teve um final feliz. Talvez por ter sido um romance não correspondido, uma paixão repentina que, apesar de rápida, fez doer por muito tempo. É até bem provável que você tenha vivido um amor platônico que nunca se concretizou e que machuca pela simples lembrança. Essas histórias sempre são vistas como algo que deve ser esquecido para que novas paixões sejam formadas e que a dor não incomode mais.
Dito isso, já pensou se houvesse uma tecnologia que removesse tais memórias específicas, melancólicas em geral, para seguir um caminho menos doloroso?
Charlie Kaufman traz uma narrativa que aborda exatamente isso – quão penoso é passar por esse processo de “luto”. Por isso deixo uma pergunta às vezes difícil de ser respondida: você apagaria alguém da sua mente para não sentir mais dor?
O longa Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) narra a história de Joel Barish (Jim Carrey), um homem deprimido que descobre que sua ex namorada, Clementine Kruczynski, vivida por Kate Winslet, apagou de sua mente todas as memórias vividas com ele. Assim, com a descoberta desse procedimento inovador, Joel procura o consultório que realiza o procedimento, buscando dar cabo do sofrimento causado pelo relacionamento acabado.
Ao primeiro olhar, parece que a história será um romance/drama convencional. Porém, já nos primeiros momentos é notável o cuidado que foi tomado para tornar essa obra única. A narrativa toda desordenada deixa o espectador confuso num primeiro momento, explorando as várias linhas do tempo apresentadas. Entretanto, essa confusão proposital vai se desembaraçando ao longo do filme e, no final, tudo se esclarece, sem deixar nenhuma ponta solta.
E por falar da narrativa toda embaraçada, não dá para não citar a montagem eficaz e necessária para fazer a história funcionar. É de impressionar o caminho que ela segue, criando momentos propositalmente confusos que se casam bem na proposta da película.
No entanto, o mérito de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças não fica só na maestria em fazer uma história “bagunçada” de uma forma compreensível, mas sim de todo o conjunto. Todo o arco narrativo de Joel retrata o caos de seus sentimentos, antes e depois do procedimento, e toda a tristeza vivida naquele momento de tanta dor. A solidão de ambos os personagens chega a ser quase palpável tamanha a definição de detalhes. E isso, repito, não se deve só à narrativa, mas sim pelo todo da obra: um belíssimo trabalho de atuação dentro de um roteiro esplêndido.
E quanto às atuações, os personagens coadjuvantes também não ficam muito atrás e são bem desenvolvidos em suas respectivas funções. Destaque para o personagem Howard Mierzwiak (Tom Wilkinson) que, apesar do pouco tempo de tela, tem um papel muito importante, trazendo uma reflexão sobre o trabalho que desenvolve – a eliminação de lembranças. É um arco que pesa necessário na conclusão da história e responde a pergunta: por que alguém inventaria isso?
Já Jim Carrey se põe à prova em um filme dramático e vive um personagem bem diferente do padrão a que está acostumado, surpreendendo por ser não só suficiente, mas também talentoso, mostrando-se como um verdadeiro “coringa”. Todos os sentimentos – a depressão, a tristeza, o luto – são muito visíveis e reais, expressados em sua grande maioria em forma de olhares, trejeitos e comportamento que, por sua vez, são mais sutis e comprimidos.
Por sua vez, Kate Winslet vive quase que um papel antagônico ao de Carrey. A instabilidade emocional, impulsividade e emoções de Clementine são mais explosivas e visuais, enquanto a de Joel são mais “comportadas”. Essa diferença comportamental traz um diferencial muito positivo para a história, criando diversas situações que passam desde momentos cômicos a momentos de profunda reflexão sobre as memórias vividas pelo casal e sobre as decisões tomadas por eles.
Por fim, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças aborda um tema vivido todos os dias por milhões de pessoas de uma forma solitária, depressiva, engraçada em alguns momentos e muito eficaz com a sua mensagem da perda e da solidão, retratada por um casal instável que se ama.
E respondendo a pergunta feita por mim mesmo no começo: esquecer alguém por dor é apenas adiar o sofrimento e retirar todo o aprendizado vivido por momentos difíceis. Tudo nessa vida é história e vivência que, com certeza, tem uma importância gigante para o crescimento de cada pessoa.