“Eu optei por planos bem desenhados e cortes delicados para reproduzir, na narrativa, o tempo de ligação entre as palavras de um poema”
Theo Angelopoulos disse a frase acima um dia antes de receber a palma de ouro no festival de Cannes em 1998, o principal prêmio do maior festival de cinema internacional do mundo.
O diretor grego não foi pretensioso em sua fala; temos aqui um poema cinematográfico que reflete sobre o tempo: não só reflete, como é afetado por ele, já que um filme é, a princípio, uma captura do espaço-tempo que é colocado na frente da câmera.
A Eternidade e Um Dia narra a história de Alexandre (Bruno Ganz), um famoso escritor que está muito doente e tem pouco tempo de vida. Ele conhece um menino na rua (Ahilleas Skevis), que é imigrante ilegal da Albânia, e parte em uma viagem para levá-lo para casa.
Se é pra falarmos de linguagem cinematográfica, Angelopoulos fala num dialeto muito específico, digamos assim.
Ao invés de usar da decupagem clássica hollywoodiana de plano e contra plano, recortando as cenas em pequenas unidades e criando sentido através da montagem, o cineasta grego usa de longos planos abertos ou médios e manipula a atenção através da aproximação da câmera da pessoa-objeto, bem como da movimentação ensaiada dos atores. Ele é diferente, isso não é só notável, é sensível.
O poema se estende com claras distorções no tempo, assim como Um olhar a cada dia (1995), o protagonista parece infringir as leis da física ao viver entre passado e presente, rompendo com o espaço-tempo do mundo presente para revisitar o passado. O diretor utiliza do que François Vanoye e Anne-Goliot Letè identificam como uma das técnicas mais comuns ao cinema moderno, transições entre realismo e fantasia sem bruscas (ou quase nenhuma no caso) alterações na mise-en-scène.
O que torna quase irrefutável o poder e o talento do realizador é que algumas das cenas mais tensas do filme simplesmente não usam absolutamente nenhum recurso sonoro – nem a voz (para diálogos), nem a trilha (para a criação de ambiente).
Percebe-se que em toda a filmografia de Angelopoulos não há sequer um close-up, ou primeiro plano como chamamos no Brasil. O grego propõe uma economia de planos, uma ruptura ríspida com as convenções narrativas, que o distingue dos outros.
O psicólogo Hugo Münsterberg reflete sobre a manipulação de atenção em The Photoplay, a Psychological Study (1916) que é tido como o primeiro livro de teoria sistemática de cinema. No capítulo dedicado à forma como o cinema manipula a atenção do espectador, ele articula que o close-up seria uma forma super efetiva de manipulação da atenção involuntária (a que não está no nosso controle), já que o objeto ou a expressão que o realizador quisesse dar enfoque seria tomada pela tela: fazendo sumir tudo que não fosse necessário. Para ele, o cinema é capaz de monopolizar nossa atenção e centralizar nossa consciência em um objeto mínimo (através do primeiro plano).
Seria super interessante especular sobre um encontro entre Münsterberg e Angelopoulos. O psicólogo da universidade de Harvard ficaria, sem qualquer sombra de dúvidas, embasbacado com a inventividade e evolução da linguagem do cinema, sendo interessado como era, provavelmente entraria numa longa conversa sobre as escolhas expressivas de Theo Angelopoulos. Uma pena que o acadêmico tenha falecido em 1916, sem nem mesmo ter presenciado o auge de seu tão estimado cinema mudo.
A Eternidade e Um Dia é um filme que ficou ainda melhor nesta minha segunda assistida. Imagino que melhorará ainda mais na terceira.
Respostas de 6
Crítica afiada e cirúrgica. Não há, sequer, uma palavra dispensável! Parabéns. Angelo Pessoa.
Muito Obrigado pelo comentário!
Excelente sua crítica!!!
Muito Obrigado!!! 🙂
Show!!!
Obrigado!