Embora Ney Matogrosso não precise de referências internacionais para descrever sua magnitude, há uma frase dita por uma das principais padroeiras dos gays que ficou comigo durante a exibição. Lady Gaga uma vez disse no seriado American Horror Story: “deusas não falam em sussurros, elas gritam”. E foi para isso que Homem com H serviu, um grito tecnicolor e ensolarado que é a vida de Ney Matogrosso.
Entre repressão, teatralidade, bacanais, tristezas e natureza selvagem, contemplamos Jesuíta Barbosa incorporar com intensidade as diferentes fases da carreira do cantor Ney Matogrosso. O filme é uma viagem no tempo e acompanha um menino de origem humilde que se liberta da opressão e das figuras autoritárias, quebra preconceitos e se torna um dos artistas mais influentes de sua geração.

‘Looney Tunes: O Dia Que A Terra Explodiu’ é uma animação caótica, vibrante e divertida que resgata o espírito original dos clássicos.
A biografia é incrível, já vou deixar isso estabelecido, mas não posso ignorar alguns incômodos que tenho quando penso em falhas repetitivas que ocorrem em filmes nacionais desse gênero. Eu sempre sinto que falta desenvolver o relacionamento desses ícones com as pessoas que os colocaram lá. Não estou desmerecendo a trajetória de Ney aqui, e muito menos esperando que uma vida tão cheia caiba redondinha em 2 horas e 10 minutos, mas eu o vejo tão sozinho. É como se ele alcançasse a fama sem nenhuma influência palpável, não vemos nenhum relacionamento dele desabrochar a ponto de nos importarmos com as pessoas ao seu redor.
Os personagens apresentados são meros coadjuvantes e é impossível se apegar a qualquer um frente à presença imponente de Ney. Cazuza está lá e não precisa de mais dimensão, mas e seus amigos? Sua mãe, que parece tão solidária e entende o jeito do filho. Sei lá, fica oco. De quem são as músicas que ele canta e as melodias? Rocketman – outra biografia por que sou apaixonada – mostra as fases de Elton John de forma bem sólida e compreendemos bem as relações que o moldaram ao longo da vida. Aqui fica a ermo.
Tirando o elefante da sala, vamos pros acertos, que são enormes! A começar pela interpretação de Jesuíta. Finalmente ele voltou à superfície para expressar toda a sua potência artística. Ele se perde dentro de Ney e consegue imitar de forma sobrenatural seus trejeitos. Mesmo com playback, ele nos faz acreditar o tempo todo que aquele é o grande artista disruptivo que marcou gerações.
A filmagem de Homem com H é um ponto altíssimo no filme, pois encapsula a jornada do cantor numa crescente. Desde sua infância sentimos sua inquietação, seu desejo de arrombar a opressão que foi obrigado a conviver dentro de casa. Ney nasceu pra ser protagonista, e ele nunca deixaria de ser. Nem no exército ele deixou de ser ele, mas era eficiente em tudo que se propunha. As cores, os figurinos, tudo o transforma nesse animal que sempre aspirou ser. Só alguém que estudou teatro não teria vergonha de fazer o que ele fazia nos palcos, o que o fez transcender como artista, pois acima de tudo, ele é um performer!
A trilha sonora te embala e eu fiquei a ponto de levantar da cadeira pra remexer os quadris junto com Ney. Nesse tipo de projeto, entregar uma trilha de respeito é o básico, contudo, ela foi além! Mais do que mostrar os grandes hits do artista, a trilha te sacode inteiro por dentro. A direção de Esmir Filho foi triunfante, e faço votos que ele pegue trabalhos ainda maiores para mostrar seu talento. Inclusive para uma biografia de Rita Lee – ia amar ver o que ele faria com a rainha do rock tupiniquim.
No fim, o sentimento é de gratidão por existir Homem com H, uma biografia que mostra boa parte da grandiosidade de um cantor da dimensão de Ney, e ele estar vivo torna tudo mais significativo. Viva o teatro, viva a liberdade e viva o cinema brasileiro!