Crítica de filme

M-8: Quando a Morte Socorre a Vida

Publicado 4 anos atrás

Maurício (Juan Paiva), negro de 18 anos, anda em uma faculdade de medicina e percorre um longo caminho, feito um labirinto, até chegar na sua primeira aula de anatomia. O jovem adentra na sala e encontra um ambiente com diversos alunos brancos e três cadáveres negros. Apenas em poucos minutos de exibição, Jeferson De apresenta a dinâmica de M-8: Quando a Morte Socorre a Vida, em que Maurício, o protagonista, ingressa em um ambiente altamente elitista em que ele se identifica mais com os funcionários negros da faculdade do que com os próprios colegas de sala.

Jeferson De opta em filmar com planos abertos e mais longos, em que a câmera percorre uma grande distância ou se paralisa e uma personagem percorre um longo corredor até ficar em primeiro plano. Essa escolha estética provoca um certo desconforto no espectador, já que os ambientes são quase sempre hostis à presença de Maurício. O protagonista é frequentemente agredido, seja verbalmente, com piadas e conversas racistas, ou fisicamente, como a abordagem truculenta de policiais. Assim, a escolha de do diretor coloca o espectador em um constante estado de alerta, fazendo com que ele observe cada canto do plano.

m8 cadáver

M-8: Quando a Morte Socorre a Vida (2019) flerta em alguns momentos com o gênero horror, como na cena de pesadelo de Maurício em que o jovem se vê no corpo em que ele fará a autopsia ou quando o cadáver interage com o protagonista. Jeferson De frequentemente repete os mesmos planos e essa repetição permite que o público passe a ressignificar essas cenas. Porém o pesadelo no decorrer do filme deixa de ser um horror para Maurício e se torna o conflito central do personagem, na qual o jovem precisa resolver essa questão do cadáver para poder seguir a sua vida.

Entretanto, existe um aspecto do filme que faz com que o longa-metragem se aproxime de um público maior e, ao mesmo tempo, se afaste de outro mais “cinéfilo”: o didatismo. É inegável que o roteiro cria situações e diálogos que possuem uma clara exposição do tema abordado pelo filme, em que o discurso parece tomar conta das cenas. Como a mãe de Suzana não aceita a possibilidade de um relacionamento entre a filha e o protagonista por ele ser negro ou quando Cida (Mariana Nunes), em um dos momentos mais emblemáticos do filme e talvez do cinema brasileiro, diz para Maurício: “Não me interrompa que eu sou uma mulher preta falando”.

Isso é um problema?

Antes dos créditos finais, há um letreiro que diz “A cada 23 minutos, um jovem negro morre no Brasil”. A escolha de colocar esse fato é muito importante, não para legitimar o didatismo do roteiro, mas para tirar o espectador do mundo de ilusão criado pelo filme e aproximá-lo da realidade vivida por milhares de pessoas. Ao optar em ser mais expositivo, o filme de Jeferson De ganha alcance que, provavelmente, um filme de arte não teria. Há no gesto de M-8: Quando a Morte Socorre a Vida uma tentativa de mudar a realidade por meio do cinema, algo que Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007), dado as devidas proporções, não se propuseram a fazer.

m8 trio

Portanto, M-8: Quando a Morte Socorre a Vida é um trabalho bem executado por Jeferson De, que provoca o espectador durante a exibição e, após os créditos finais, o convoca para mudar a realidade brasileira.

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m8 poster
País: Brasil
Idioma: Português

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