Histórias que abordam doenças mentais geralmente tomam um caminho curioso em Hollywood. Alguns filmes falam de superação com uma roupagem bem cinematográfica, já outros focam em doenças mais “descoladas” como psicopatia, sociopatia ou fobias sociais, em que o personagem gera um misto de emoções no espectador, desde revolta a admiração. Mas e as pessoas reais? Indivíduos que precisam lidar com as dificuldades de sua condição mental todos os dias? A verdade é que ninguém quer saber, especialmente quando a doença em questão não apresenta o “glamour” de histórias como Psicopata Americano ou Forrest Gump. Porém, Mais Que Especiais (Hors Normes, 2019) é um filme que foge dessa glamourização de doenças mentais.
O drama francês acompanha a vida dos amigos Bruno (Vincent Cassel) e Malik (Reda Kateb), que dedicam suas vidas em prol de crianças e adolescentes autistas. Eles trabalham para duas organizações sem fins lucrativos The Hatch & The Shelter. Enquanto uma acolhe essas crianças, a outra treina jovens da periferia para serem cuidadores em casos extremos. Além disso, o filme é baseado na vida de um homem chamado Stephane Benhamou e sua organização.
Representar pessoas autistas no cinema não é necessariamente um desafio, mas nenhum estúdio de grande porte está disposto a retratar a vida dessas pessoas já que ninguém quer enxergar essa realidade. Mais Que Especiais é um projeto comovente e respeitoso com a vida de indivíduos com autismo. O carinho com que os diretores Éric Toledano e Olivier Nakache os colocam na tela é de encher o coração de qualquer pessoa que assiste ao longa. Não é difícil entender os sentimentos que o filme desperta no espectador porque mais uma vez os diretores apostam na química de dois protagonistas cativantes, assim como fizeram no maravilhoso Os Intocáveis.
O trabalho de Vincent e Reda são dignos de reverência, sendo nítida a forma com que eles entregam verdade em seus personagens. Na história, um dos amigos tem uma vida pessoal com mulher e filhos, e isso reflete na maneira com que ele interage com os jovens que treina para serem cuidadores. Já o outro é dedicado 100% à instituição, deixando-o sem tempo para ter uma vida pessoal. Bruno até tenta encontrar uma parceira, mas tudo isso fica em segundo plano quando a instituição precisa dele. Mesmo com um tema tão dramático e delicado, a veia cômica característica da dupla de diretores está presente e não faz feio, uma vez que consegue gerar aquele sorriso espontâneo. Tudo pode estar dando errado em um determinado momento, mas ainda assim, há períodos leves e despretensiosos na vida dos personagens.
A trama caminha por diversos tópicos e sub-tramas, mas o tempo todo o espectador se preocupa com a ameaça do fechamento da instituição que, mesmo operando sem algumas licenças do governo, é o lugar a que os médicos e profissionais da saúde recorrem quando ninguém mais quer aceitar as crianças autistas. Tal fato levanta diversos questionamentos sobre a falta de disposição do governo de incentivar instituições que conseguem fazer a diferença na vida desses jovens. A propósito, o elenco em geral é cuidadoso ao retratar pessoas com autismo, fazendo com que o filme mostre a dura realidade de familiares, médicos, cuidadores e, principalmente, desses pacientes que têm poucas possibilidades de ter uma vida normal.
A trilha sonora sabe marcar os momentos cruciais da trama, tornando difícil esquecer a melodia que domina a maior parte das cenas, e o ritmo lento e a dificuldade para a trama decolar não comprometem a qualidade da produção. Se você tiver paciência para assistir, não garanto a falta de lágrimas ao final dos créditos.