Crítica de filme

Nosferatu | Crítica 2

Publicado 4 semanas atrás
Nota do(a) autor(a): 3.5

Pro bem ou pro mal, Robert Eggers é um diretor que possui assinatura. Quando você vai assistir a um filme dele, existe uma meia dúzia de elementos que se pode esperar. Talvez, o pior momento do americano tenha sido exatamente quando se distanciou de seus mais famosos motes e fez o modorrento e desalmado O Homem do Norte. Mas, em Nosferatu, sua identidade parece nunca ter saído de vista por um segundo sequer.

É fascinante como, mesmo com essa retomada em seu visual e temas (a serem discutidos mais à frente), chama a atenção o que é impremeditado no filme: seu humor e sua protagonista. 

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Surpresas

Nosferatu é um filme imprevisivelmente engraçado. De fazer graça com cortes, falas ríspidas e até um humor que surge apenas no “delivery” dos atores, os momentos cômicos são frequentes e surgem de diversas formas. Do primeiro plano após uma discussão até a natureza cética de um dos personagens, dá pra sair uma piada de tudo.

Ellen Hutter, interpretada por Lily-Rose Depp, é admirável. A personagem foi escrita para ser a engrenagem de todo o funcionamento do filme e a atriz age à altura. Ficará marcada pela sua performance física nas cenas de possessão, mas sua força reside exatamente nos momentos de lucidez, ternura e autoconsciência da personagem; quando ela precisa enfrentar quem é de forma direta.

Temas

Masculino e feminino aparecem em todos os filmes do diretor, sempre alternadamente, até chegarmos aqui, quando agem simultaneamente. O papel provedor do homem é um fardo que recai sobre os ombros de Thomas Hutter (Nicholas Hoult) e entra em choque com o maternalismo de sua esposa. 

Ele necessita ir até a casa de Conde Orlok fechar um contrato porque o dinheiro melhoraria sua vida de recém-casado, mas a esposa, que possui laços com o místico, pede que ele reconsidere, pois tudo que ela vê ao pensar nessa viagem é morte. Essa ida é o que o fará perder a mulher e não poder usufruir do dinheiro.

Orlok, ao redigir o contrato, usa uma língua antiga para manipular Thomas e fazê-lo abrir mão de sua mulher, um ato completamente desmoralizante, que ganha contornos inescapáveis porque sabemos que Ellen é que há anos atrás despertara Orlok. Ele voltou para buscar o que é seu. 

A condição que faz Ellen trazê-lo de volta é a solidão causada por sua paranormalidade quando criança. Ao desejar não estar mais sozinha, suplica que qualquer entidade que a ouça, traga-lhe amor. Quem responde o chamado é Nosferatu.

Visual

Com a ida de Orlok para Wisborg, o que é levado consigo não é apenas seu caixão, mas, também, a praga. O filme cria um senso de invasão, inconveniência, que surge da figura do vampiro-demônio a todo momento, desde que ele rouba uma foto de Ellen, até as aparições no sonho desta, mas, principalmente, com a imagem de sua sombra invadindo qualquer espaço que lhe interesse.

É a primeira vez que vemos sociedade em um filme de Eggers e esse elemento não é desperdiçado. A praga é a manifestação de Orlok, não a nível pessoal, pois esse já perturba o casal Hutter, mas uma ameaça maior, mais expansiva e aterrorizadora, já que, quando o assunto é Ellen, o vampiro  está de mãos atadas, mas com o resto da população, ele pode fazer o que quiser. 

As vestimentas e desenho de produção captam uma natureza melancólica que permeia todas as vidas que invariavelmente cruzam a tela, dos ciganos aos burgueses e aristocratas, dos céticos aos crentes.

Passado

Nosferatu busca renovar seu contrato com Hellen sem poder coagi-la a aceitar. Sua estratégia, então, é fazer com que todo o resto do mundo sangre até que ela decida parar com a hemorragia. A única saída dela é o sacrifício. O personagem de Willem Dafoe, Professor Von Franz, expulso da universidade que leciona por desenvolver uma obsessão com oculto, é o único versado no assunto capaz de entender e combater Orlok. 

Para isso, ele precisa usar Ellen como isca, que está de acordo com o plano e esse é bem-sucedido. Hellen aceita o novo acordo de Orlok, apenas para que permaneçam juntos na cama que ela compartilha com Thomas, até o sol raiar. Por seus corpos agora estarem eternamente relacionados, a morte de Nosferatu é, necessariamente, a morte de Ellen. 

E a morte de Ellen é a troca do micro pelo macro, do indivíduo pelo coletivo, ao mesmo tempo que é uma porta que só poderia ser fechada exclusivamente por quem conseguiu abri-la há tempos atrás.

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nosferatu cartaz

Nosferatu

Nosferatu
16
País: EUA
Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers, Henrik Galeen, Bram Stoker
Elenco: Lily-Rose Depp, Nicholas Hoult, Bill Skarsgård, Aaron Taylor-Johnson, Willem Dafoe
Idioma: Inglês

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