Crítica de filme

O fugaz como regra em ‘Joias Brutas’ | Crítica 2

Publicado 5 anos atrás

Depois de dez anos e mais de cem revisões no roteiro, os irmãos nova-iorquinos conseguem produzir seu tão aguardado filme, Joias Brutas (Uncut Gems). A bola de neve que é a estrutura capitalista, antes de destruir por onde passa, cresce, alimentada pela ganância na cidade que nunca dorme.

Nos seus dois filmes anteriores, Amor, Drogas e Nova York e Bom Comportamento, Josh e Benny trabalham Nova York sob a lente teleobjetiva de Sean Price Williams, que aglomera tudo que lhes interessa em planos claustrofóbicos e consequentemente cria uma relação muito específica com os espaços por onde passam. Esses planos fechados aprisionam as personagens nas condições das quais elas se veem obrigadas a sair, sejam quais forem as razões: o vício em drogas de Harley e os que vivem com ela ou Connie e seu impulso de proteger a pureza do irmão num mundo corrompido por aqueles como ele.

Os Safdie trabalham com uma uma crueza que por mais visceral que seja, emana uma fantasia integrada a toda unidade do filme. Um surrealismo-pé-no-chão graças a fotografia do experiente Darius Khondji, que entende a cosmologia dos irmãos e imerge em texturas granuladas que dedam a psicodelia em diversos momentos.

A cena inicial é de uma fratura exposta nos confins da Etiópia que rapidamente se transforma numa colonoscopia num prédio na famigerada selva de pedra. Uma estrela de trinta e seis anos no melhor campeonato de basquete do mundo prevê suas forças revigoradas por causa de uma opala que ele acabou de conhecer enquanto destrói um estande de demonstração de joias, que não aguenta o peso de um corpo de dois metros e onze de altura. A ereção de The Weeknd que não lhe rende uma transa mas sim uma briga enquanto sob efeito de cocaína.

Em Joias Brutas, quiçá o ápice do cinema de ansiedade dos irmãos, esse sentimento provém de uma ideia injetada quase que intravenosamente na execução do filme: a efemeridade. A chateação com sua amante ter dado uma festa no apartamento some quando deitam de conchinha; O cara que cobra os trinta mil que lhe deve e recebe um Rolex falso como compensação. A aposta de quarenta minutos atrás já não faz sentido. A dívida cresce proporcionalmente à sua ambição. O que possibilita uma mudança de vida é a bola ao alto com cinquenta por cento de chances para o pivô de cada time pegar. Nada é duradouro ou guarda uma significação em si. É sempre sobre o próximo passo. O objetivo é se tornar um milionário, seja através de uma joia ou uma aposta.

A utilização do basquete e da figura de Kevin Garnett aqui é substancial. O jogador é indiscutivelmente um dos melhores de todos os tempos em sua posição, mas por ter passado a maior parte de sua carreira em um time medíocre, jamais alcançou a glória máxima do esporte até se mandar para uma franquia vitoriosa que sabe lidar com suas estrelas. O objetivo sempre foi ser campeão, não importa onde.

Uma das maiores paixões dos irmãos judeus (motivo de piada ao longo do filme), o basquete praticado na NBA em sua temporada regular é muito diferente de quando os jogos realmente importam, nos playoffs. No momento que Kevin Garnett diz que que a opala lhe dá energia para fazer quarenta pontos, Howie sabe que KG está apto para uma performance que os Sixers não esperam, que a confiança numa disputa que o vencedor de quatro jogos passa é a chave para um jogador colocar a bola debaixo dos braços e ir atrás de garantir o resultado.

Mas, numa série que pode chegar a sete jogos, os times possuem tempo para seus ajustes. Não se trata mais do que Garnett foi capaz de fazer na primeira partida mas sim do que fará com uma defesa específica montada para contê-lo. O que ele faz de melhor sendo monitorado e provavelmente lhe sendo tirado, forçando-o a novas estratégias para sobreviver na disputa e avançar para a próxima fase. É aí que a pedra, depois de estabelecer uma relação metafísica com o jogador, torna-se um diferencial.

A história de Howard é relacionável porque a confiança nas apostas que faz é completamente baseada em “achismo”, um instinto tão especulativo quanto a natureza do capitalismo que se fundamenta em algarismos que podem causar a ruína de tudo que conhecemos da forma como conhecemos.

A bola de neve que a personagem de Adam Sandler municia é sempre sobre o que ele pode fazer a seguir, pois seu passado está condenado. O seu casamento em frangalhos pode esperar até o próximo verão; a sua dívida não foi embora porque suas roupas foram, o cara do Rolex está a sua procura desde que olhou atentamente para o relógio, a sua pedra preciosa não custa o que ele esperava e o dinheiro que se consegue por ela, vira especulação novamente. É um ciclo infindável porque a história não acaba em Howie ou nos irmãos Safdie. Essa história sequer se inicia com a película. É a história do mundo e suas estruturas invisíveis fadadas ao fracasso, tão frágeis quanto vidro sofrendo pressão dos cotovelos de um dos melhores ala-pivôs da história do basquete.

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joias brutas poster
País: EUA
Idioma: Inglês

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